POESIA ERÓTICA E SATÍRICA DE MANUEL MARIA DU BOCAGE
Lá quando em mim perder a humanidade
Mais um daqueles, que não fazem falta,
Verbi gratia – o teólogo, o peralta,
Algum duque, ou marquês, ou conde, ou frade:
Não quero funeral comunidade,
Que engrole sub venites em voz alta;
Pingados gatarrões, gente da malta,
Eu também vos dispenso a caridade:
Mas quando ferrugenta enxada idosa
Sepulcro me cavar em ermo outeiro,
Lavre-me este epitáfio mão piedosa:
“Aqui dorme Bocage, o putanheiro:
passou vida folgada, e milagrosa;
comeu, bebeu, fodeu sem ter dinheiro.”
VI
Não lamentes, oh Nise, o teu estado;
Puta tem sido muita gente boa;
Putíssimas fidalgas tem Lisboa,
Milhões de vezes putas têm reinado:
Dido foi puta, e puta dum soldado;
Cleópatra por puta alcança a c’roa;
Tu, Lucrecia, com toda a tua proa,
O teu cono não passa por honrado:
Essa da Rússia imperatriz famosa,
Que ainda há pouco morreu (diz a Gazeta)
Entre mil porras expirou vaidosa:
Todas no mundo dão a sua greta:
Não fiqueis pois, oh Nise, duvidosa
Que isto de virgo é honra é tudo peta.
XIII
É pau, e rei de paus, não marmeleiro,
Bem que duas gamboas lhe lobrigo;
Dá leite, sem ser árvore de figo,
Da glande o fruto tem, sem ser sobreiro:
Verga, e não quebra, como o zambujeiro;
Oco, qual sabugueiro, tem o embigo;
Brando às vezes, qual vime, está consigo;
Outras vezes mais rijo que um pinheiro:
À roda da raiz produz carqueja:
Todo o resto do tronco é calvo e nu;
Nem cedro, nem pau-santo mais negreja!
Para carvalho ser falta-lhe um u;
Adivinhem agora que pau seja,
E quem adivinhar meta-o no cu.
XIV
Bojudo fradalhão de larga venta,
Abismo imundo de tabaco esturro,
Doutor na asneira, na ciência burro,
Com barba hirsuta, que no peito assenta:
No púlpito um domingo se apresenta;
Prega nas grades espantoso murro;
E acalmado do povo o grã sussurro
O dique das asneiras arrebenta.
Quatro putas mofavam de seus brados,
Não querendo que gritasse contra as modas
Um pecador dos mais desaforados:
“Não (diz uma) tu, padre, não me engodas;
sempre me hás de lembrar por meus pecados
a noite, em que me deste nove fodas!”
XXIX
Cagando estava a dama mais formosa,
E nunca se viu cu de tanta alvura;
Mas ver cagar, contudo, a formosura,
Mete nojo à vontade mais gulosa!
Eis a massa expulsou fedentinosa
Com algum custo, porque estava dura:
Um carta d’amor de alimpadura
Serviu àquela parte mal cheirosa:
Ora mandem à moça mais bonita
Um escrito d’amor que lisonjeiro
Afetos move, corações incita;
Para o ir ver servir de reposteiro
À porta, onde o fedor e a trampa habita,
Do sombrio palácio do alcatreiro!
XXVII
Veio Mulei-Achmed marroquino
Com duros trigos entulhar Lisboa;
Pagava bem, não houve moça boa
Que não provasse o casso adamantino:
Passou a um seminário feminino,
Dos que mais bem providos se apregoa,
Onde a um frade bem fornida ilhoa
Dava esmola cada dia um pino:
Tinha o mouro fodido largamente,
E já basofiando com desdouro
Tratava a nação lusa d’impotente:
Entra o frade, e ao ouvi-lo, como um touro
Passou tudo a caralho novamente,
E o triunfo acabou no cu do mouro.