sexta-feira, 7 de agosto de 2009

INGRATA TERRA


DESABAFO D'UM LAVRADOR


Em terra de ingratos homens vamos nós vivendo também, lavradores. De todos os lados, por todos os processos, desde os mais grosseiros aos que se apresentam com o mais beneficiente aspecto, surgem os alçapões em que nos hão-de fazer cair e onde perderemos o suor e o sangue que são a nossa vida. Pacientes que somos, vamos sofrendo as torturas, os insultos, satisfazendo sempre à ganância dos que nos procuram dirigir e por nosso mal nos dirigem, dando-lhe a impressão que os não compreendemos porque os suportamos. E hoje, a cadeia que já nos dificulta os movimentos, irá apertando, apertando sempre, asfixiando-nos, deixando-nos apenas como caminho aberto a fuga, a fuga desta terra que se tornou ingrata para connosco, porque à ingratidão a arrastaram os que dela se tornaram senhores.
E, amanhã, fugindo, cada um de nós levará o saquitel, com um punhado de terra dos seus campos, das suas vinhas, dos seus eirados, para que alma caridosa lha espalhe sobre o corpo, quando a viagem eterna se inicie.
E porque é que este futuro se nos apresenta ? Porque é que consentimos que a terra bôa, que se desentranha em benesses, se converta em madrasta ? Porque é que não reagimos contra todos aqueles que, sem pudor, nos reduzem à condição de escravos e de escravos que não suportam o senhor que lhes rasga a carne com o azorrague da incompetencia e do cinismo.
Porque é que sendo tantos, fortes e poderosos, permitimos que nos escarneçam, nos ultragem, nos reduzam à miséria e à vergonha ?
Eu sei, infelizmente, qual a razão de tudo isto. Eu sei que, se as coisas assim se passam, é porque uma profundíssima onda de egoismo nos invadiu, cada um procurando apenas a defeza dos seus interesses pessoais, não se importando com os interesses da colectividade. E a cegueira que nos tomou é tal, que nem sequer vemos que, não defendendo os interesses justos da colectividade, os interesses individuais nada valem, a parte alguma levam.
Pois será possível que, ruindo uma construção, fique segura e estável, na posição que devia ocupar, uma pedra que segurava outra e que por outra era sustentada ? Não; caindo uma, todas caíriam ao mesmo tempo.
Bem preciso é que os lavradores portugueses atentem um pouco na vida do país; bem preciso é que deitem conta ao que se vai passando, para que intervenham, sem demora, na gerência da coisa pública, orientando-a num caminho seguro e são. Se o não fizerem, a condição de emigrantes, que nos espreita, será o único caminho aberto para fugir à onda que nos procura absorver.
Está-se ainda a tempo; hoje ainda é possível deter a marcha à ruína que avança. Amanhã será tarde.
Porque se espera ?.

Escrito por um Lavrador (Luis Gama) e publicado em GAZETA DAS ALDEIAS em 1926.
(Parece-me que neste tempo ainda não estava em vigor a PAC, nem o ministro da agricultura era o actual)

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SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”