
DESABAFO D'UM LAVRADOR
Em terra de ingratos homens vamos nós vivendo também, lavradores. De todos os lados, por todos os processos, desde os mais grosseiros aos que se apresentam com o mais beneficiente aspecto, surgem os alçapões em que nos hão-de fazer cair e onde perderemos o suor e o sangue que são a nossa vida. Pacientes que somos, vamos sofrendo as torturas, os insultos, satisfazendo sempre à ganância dos que nos procuram dirigir e por nosso mal nos dirigem, dando-lhe a impressão que os não compreendemos porque os suportamos. E hoje, a cadeia que já nos dificulta os movimentos, irá apertando, apertando sempre, asfixiando-nos, deixando-nos apenas como caminho aberto a fuga, a fuga desta terra que se tornou ingrata para connosco, porque à ingratidão a arrastaram os que dela se tornaram senhores.
E, amanhã, fugindo, cada um de nós levará o saquitel, com um punhado de terra dos seus campos, das suas vinhas, dos seus eirados, para que alma caridosa lha espalhe sobre o corpo, quando a viagem eterna se inicie.
E porque é que este futuro se nos apresenta ? Porque é que consentimos que a terra bôa, que se desentranha em benesses, se converta em madrasta ? Porque é que não reagimos contra todos aqueles que, sem pudor, nos reduzem à condição de escravos e de escravos que não suportam o senhor que lhes rasga a carne com o azorrague da incompetencia e do cinismo.
Porque é que sendo tantos, fortes e poderosos, permitimos que nos escarneçam, nos ultragem, nos reduzam à miséria e à vergonha ?
Eu sei, infelizmente, qual a razão de tudo isto. Eu sei que, se as coisas assim se passam, é porque uma profundíssima onda de egoismo nos invadiu, cada um procurando apenas a defeza dos seus interesses pessoais, não se importando com os interesses da colectividade. E a cegueira que nos tomou é tal, que nem sequer vemos que, não defendendo os interesses justos da colectividade, os interesses individuais nada valem, a parte alguma levam.
Pois será possível que, ruindo uma construção, fique segura e estável, na posição que devia ocupar, uma pedra que segurava outra e que por outra era sustentada ? Não; caindo uma, todas caíriam ao mesmo tempo.
Bem preciso é que os lavradores portugueses atentem um pouco na vida do país; bem preciso é que deitem conta ao que se vai passando, para que intervenham, sem demora, na gerência da coisa pública, orientando-a num caminho seguro e são. Se o não fizerem, a condição de emigrantes, que nos espreita, será o único caminho aberto para fugir à onda que nos procura absorver.
Está-se ainda a tempo; hoje ainda é possível deter a marcha à ruína que avança. Amanhã será tarde.
Porque se espera ?.
Escrito por um Lavrador (Luis Gama) e publicado em GAZETA DAS ALDEIAS em 1926.
(Parece-me que neste tempo ainda não estava em vigor a PAC, nem o ministro da agricultura era o actual)
Em terra de ingratos homens vamos nós vivendo também, lavradores. De todos os lados, por todos os processos, desde os mais grosseiros aos que se apresentam com o mais beneficiente aspecto, surgem os alçapões em que nos hão-de fazer cair e onde perderemos o suor e o sangue que são a nossa vida. Pacientes que somos, vamos sofrendo as torturas, os insultos, satisfazendo sempre à ganância dos que nos procuram dirigir e por nosso mal nos dirigem, dando-lhe a impressão que os não compreendemos porque os suportamos. E hoje, a cadeia que já nos dificulta os movimentos, irá apertando, apertando sempre, asfixiando-nos, deixando-nos apenas como caminho aberto a fuga, a fuga desta terra que se tornou ingrata para connosco, porque à ingratidão a arrastaram os que dela se tornaram senhores.
E, amanhã, fugindo, cada um de nós levará o saquitel, com um punhado de terra dos seus campos, das suas vinhas, dos seus eirados, para que alma caridosa lha espalhe sobre o corpo, quando a viagem eterna se inicie.
E porque é que este futuro se nos apresenta ? Porque é que consentimos que a terra bôa, que se desentranha em benesses, se converta em madrasta ? Porque é que não reagimos contra todos aqueles que, sem pudor, nos reduzem à condição de escravos e de escravos que não suportam o senhor que lhes rasga a carne com o azorrague da incompetencia e do cinismo.
Porque é que sendo tantos, fortes e poderosos, permitimos que nos escarneçam, nos ultragem, nos reduzam à miséria e à vergonha ?
Eu sei, infelizmente, qual a razão de tudo isto. Eu sei que, se as coisas assim se passam, é porque uma profundíssima onda de egoismo nos invadiu, cada um procurando apenas a defeza dos seus interesses pessoais, não se importando com os interesses da colectividade. E a cegueira que nos tomou é tal, que nem sequer vemos que, não defendendo os interesses justos da colectividade, os interesses individuais nada valem, a parte alguma levam.
Pois será possível que, ruindo uma construção, fique segura e estável, na posição que devia ocupar, uma pedra que segurava outra e que por outra era sustentada ? Não; caindo uma, todas caíriam ao mesmo tempo.
Bem preciso é que os lavradores portugueses atentem um pouco na vida do país; bem preciso é que deitem conta ao que se vai passando, para que intervenham, sem demora, na gerência da coisa pública, orientando-a num caminho seguro e são. Se o não fizerem, a condição de emigrantes, que nos espreita, será o único caminho aberto para fugir à onda que nos procura absorver.
Está-se ainda a tempo; hoje ainda é possível deter a marcha à ruína que avança. Amanhã será tarde.
Porque se espera ?.
Escrito por um Lavrador (Luis Gama) e publicado em GAZETA DAS ALDEIAS em 1926.
(Parece-me que neste tempo ainda não estava em vigor a PAC, nem o ministro da agricultura era o actual)