
Havia n'outro tempo uma mulher casada que tinha uma filha ainda pequena. Ella era muito amiga de festas e de bailes, mas como o marido era muito doente não podia sair e ir a divertimentos, e por isso tomou-lhe uma zanga tal que não o podia ver.
Peorou o homem e já não se levantava, e ella não queria saber delle. Só de vez em quando, para as visinhas ouvirem, lhe dizia muito rijo:
«Lourenço, queres um caldinho ?»
«Quero sim mulher.» Ella então dizia-lhe devagarinho: «Tem paciencia meu rico filho, meu rico menino, que agora não há» Depois dizia para a filha: «Zefa ! vae ajudar a ver morrer teu pae, que no domingo ha festa e tua mãe, se elle morrer, concertez já lá vae.»
Morreu o homem mesmo no domingo, e a mulher estava toda triste por ter de chorar o marido e não poder ir á festa. Tanto se lamentou por isto que uma visinha disse-lhe que ficava chorando enquanto ella ia, mas que lhe daria em troca um alqueire de centeio.
Acceitou a viuva a proposta e foi logo vestir-se e arranjar-se e marchou depois para a festa, que devia terminar com baile.
A carpideira toda a noite andou á roda do defunto, que estava estendido num esteirão, e ella fingindo que chorava, dizia:
«Aqui ando eu,
A chorar o alheio,
Por alqueire de centeio.
Ai meu meu bello marido morto !
Sirva-te isto de conforto ! »
Assim levou a carpideira toda a noite, emquanto a viuva se estava divertindo, com a consciencia tranquila, visto que o seu dever outra o estava desempenhando.
Chegou o dia e a viuva voltou para casa justamente quando a carpideira, repetindo a lamentação, dizia:
Aqui ando eu
Chorando o alheio
Por um alqueire de centeio !
E sabe Deus se será bem cheio !»
Ouvindo isto, a viuva, tocando as castanholas e dançando em volta do marido, respondeu logo:
«Cheio e recheio !
Calcado e recalcado !
E ainda por cima Um grande punhado.
E zus câtâtruz !
E zás câ tâ traz !
Bem hajam as festas !
E mais quem as faz !»
Serpa, 1902 - da tradição oral.