domingo, 1 de agosto de 2010


Agostinho da Silva


"É certamente admirável o homem que se opõe a todas as espécies de opressão, porque sente que só assim se conseguirá realizar a sua vida, só assim ela estará de acordo com o espírito do mundo;constitui-lhe suficiente imperativo para que arrisque a tranquilidade e bordeje a própria morte o pensamento de que os espíritos nasceram para ser livres e que a liberdade se confunde,na sua forma mais perfeita,com a razão e a justiça, com o bem; a existência passou a ser para ele o meio que um deus benevolente colocou ao seu dispor para conseguir, pelo que lhe toca,deixar uma centelha onde até aí apenas a treva se cerrara;é um esforço de indivíduo que reconheceu o caminho a seguir e que deliberadamente por ele marcha sem que o esmoreçam obstáculos ou o intimide a ameaça; afinal o poderíamos ver como a alma que busca,após uma luta de que a não interessam nem dificuldades nem extensão."

quarta-feira, 21 de julho de 2010

AVÔ LUIS LOBO COM FILHOS E SOBRINHO - ANOS 40

 
Posted by Picasa


FÉRIAS NA COSTA DA CAPARICA EM 1943
AVÔ LUÍS LOBO COM OS FILHOS: HERMÍNIA AUGUSTA, LUÍS FILIPE, MARIA DA CRUZ E O SOBRINHO JOÃO NICOLAU.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mais um poema do Avô Leopoldo



O MALMEQUER
É linda flor que eternisa,
dando o bom ou falso amôr.
Sacrificado na dôr,
uma crença profetisa.
Tantas pétalas eguaes
mas logo que é colhido,
dão-lhe diferenças mortaes,
no bem, no mal, no esquecido.
Quando a pobre é desfolhada
- diz mal a ultima vez -
a primeira é sempre amáda.
Fica em completa nudez
e julga-se desgraçada,
aquéla que mal lhe fez.
Retorta, 2-5-1926
LEOPOLDO PARREIRA
(Como sempre, respeitei a ortografia original)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Trago Alentejo na Voz (António Zambujo)

No tempo do Salazar
Exposição dos lavradores do Baixo Alentejo a sua excelencia o ministro da agricultura

Porque julgamos digna de registo
A nossa exposição, Senhor Ministro,
Erguemos até vós, humildemente,
Uma toada uníssona e plangente
Onde evitamos o menor deslize
E onde damos razão da nossa crise.

Senhor… Em vão esta província inteira
Desmoita, lavra e atalha a sementeira,
Suando até a fralda da camisa.
Falta a matéria orgânica precisa
Da terra, que é delgada e sempre fraca;
A matéria em questão chama-se CACA.

Se os membros desse ilustre ministério
Querem levar o nosso caso a sério
E é nobre o sentimento que os anima,
Mandem-nos cagar toda a gente em cima
Dos maninhos torrões de cada herdade,
E mijem-nos também, por caridade!

0 Senhor Doutor Oliveira Salazar
Quando tiver vontade de cagar
Venha até nós, solícito e calado,
Busque um terreno que estiver lavrado,
E como Presidente do Conselho
Queira espremer-se até ficar vermelho.

A Nação confiou-lhe os seus destinos;
Então comprima e aperte os intestinos,
E se escapar um traque não se importe;
Quem sabe se cheirá-lo dará sorte?
Quantos não porão suas esperanças
Num traque do Ministro das Finanças!
E quem vive tão aflito e sem recursos
Já não distingue os traques dos discursos;
Não precisa falar. Tenha a certeza
De que a maior fonte de riqueza
Desde os montados negros às courelas
Provém da merda que despejamos nelas.

Ah! Merda grossa! Merda fina! Merda boa
Das inúteis retretes de Lisboa!
Como é triste saber que todos vós
Andais cagando sem pensar em nós!
Se querem fomentar a agricultura
Mandem-nos muita gente com soltura
E nós daremos trigo em alta escala.
Também nos faz jeitinho a merda rala.
Terras alentejanas, terras nuas,
Desespero de arados e charruas,
Quem as tem, quem as compra, quem as herda,
Sente a paixão nostálgica da merda!…

E que todos os penicos portugueses
Durante pelo menos uns seis meses
Sob o montado ou sobre a terra campa
Continuamente nos despejem trampa,
Adubos de potássio, cal e azote.
Mandem-nos merda pura de bispote;
Não fazemos questão de qualidade;
Formas normais ou formas esquisitas,
Desde o cagalhão às caganitas,
Ou da negra poia à grande bosta,
Tudo quanto for merda a gente gosta.

(Autor João Vasconcelos e Sá -ÉVORA 1934)
(EM VIDEO A MESMA DITA POR VICTOR DE SOUSA)

O ALENTEJO MOLDA O CARÁCTER


…Alentejo
«Ser alentejano não é um dote, é dom.»

Palavra mágica que começa no Além e termina no Tejo,
o rio da portugalidade. O rio que divide e une Portugal e que, à
semelhança do Homem Português, fugiu de Espanha à procura do mar.

O Alentejo molda o carácter de um homem. A solidão e a quietude da
planície dão-lhe a espiritualidade, a tranquilidade e a paciência do
monge; as amplitudes térmicas e a agressividade da charneca dão-lhe a
resistência física, a rusticidade, a coragem e o temperamento do
guerreiro. Não é alentejano quem quer. Ser alentejano não é um dote, é
um dom. Não se nasce alentejano, é-se alentejano.

Portugal nasceu no Norte, mas foi no Alentejo que se fez Homem.
Guimarães é o berço da Nacionalidade; Évora é o berço do Império
Português. Não foi por acaso que D. João II se teve de refugiar em Évora
para descobrir a Índia. No meio das montanhas e das serras, um homem tem
as vistas curtas; só no coração do Alentejo, um homem consegue ver ao
longe.

Mas foi preciso Bartolomeu Dias regressar ao reino, depois de dobrar o
Cabo das Tormentas, sem conseguir chegar à Índia, para D. João II
perceber que só o costado de um alentejano conseguia suportar com o peso
de um empreendimento daquele vulto. Aquilo que, para o homem comum, fica
muito longe, para um alentejano, fica já ali. Para um alentejano, não há
longe, nem distância, porque só um alentejano percebe intuitivamente que
a vida não é uma corrida de velocidade, mas uma corrida de resistência
onde a tartaruga leva sempre a melhor sobre a lebre.

Foi, por esta razão, que D. Manuel decidiu entregar a chefia da armada
decisiva a Vasco da Gama. Mais de dois anos no mar… E, quando
regressou, ao perguntar-lhe se a Índia era longe, Vasco da Gama
respondeu: «Não, é já ali.». O fim do mundo, afinal, ficava ao virar da
esquina.

Para um alentejano, o caminho faz-se caminhando e só é longe o sítio
onde não se chega sem parar de andar. E Vasco da Gama limitou-se a
continuar a andar onde Bartolomeu Dias tinha parado. O problema de
Portugal é precisamente este: muitos Bartolomeu Dias e poucos Vasco da
Gama. Demasiada gente que não consegue terminar o que começa, que
desiste quando a glória está perto e o mais difícil já foi feito. Ou
seja, muitos portugueses e poucos alentejanos.

D. Nuno Álvares Pereira, aliás, já tinha percebido isso. Caso contrário,
não teria partido tão confiante para Aljubarrota. D. Nuno sabia bem que
uma batalha não se decide pela quantidade mas pela qualidade dos
combatentes. É certo que o rei de Castela contava com um poderoso
exército composto por espanhóis e portugueses, mas o Mestre de Avis
tinha a vantagem de contar com meia-dúzia de alentejanos. Não se
estranha, assim, a resposta de D. Nuno aos seus irmãos, quando o
tentaram convencer a mudar de campo com o argumento da desproporção
numérica: «Vocês são muitos? O que é que isso interessa se os
alentejanos estão do nosso lado?»

Mas os alentejanos não servem só as grandes causas, nem servem só para
as grandes guerras. Não há como um alentejano para desfrutar plenamente
dos mais simples prazeres da vida. Por isso, se diz que Deus fez a
mulher para ser a companheira do homem. Mas, depois, teve de fazer os
alentejanos para que as mulheres também tivessem algum prazer. Na cama e
na mesa, um alentejano nunca tem pressa. Daí a resposta de Eva a Adão
quando este, intrigado, lhe perguntou o que é que o alentejano tinha que
ele não tinha: «Tem tempo e tu tens pressa.» Quem anda sempre a correr,
não chega a lado nenhum. E muito menos ao coração de uma mulher. Andar a
correr é um problema que os alentejanos, graças a Deus, não têm. Até
porque os alentejanos e o Alentejo foram feitos ao sétimo dia,
precisamente o dia que Deus tirou para descansar.

E até nas anedotas, os alentejanos revelam a sua superioridade humana e
intelectual. Os brancos contam anedotas dos pretos, os brasileiros dos
portugueses, os franceses dos argelinos… só os alentejanos contam e
inventam anedotas sobre si próprios. E divertem-se imenso, ao mesmo
tempo que servem de espelho a quem as ouve.

Mas, para que uma pessoa se ria de si própria, não basta ser ridícula,
porque ridículos todos somos. É necessário ter sentido de humor. Só que
isso é um extra só disponível nos seres humanos topo de gama.

Não se confunda, no entanto, sentido de humor com alarvice. O sentido de
humor é um dom da inteligência; a alarvice é o tique da gente bronca e
mesquinha. Enquanto o alarve se diverte com as desgraças alheias, quem
tem sentido de humor ri-se de si próprio. Não há maior honra do que ser
objecto de uma boa gargalhada. O sentido de humor humaniza as pessoas,
enquanto a alarvice diminui-as. Se Hitler e Estaline se rissem de si
próprios, nunca teriam sido as bestas que foram.

E as anedotas alentejanas são autênticas pérolas de humor: curtas,
incisivas, inteligentes e desconcertantes, revelando um sentido de
observação, um sentido crítico e um poder de síntese notáveis.

Não resisto a contar a minha anedota preferida. Num dia em que chovia
muito, o revisor do comboio entrou numa carruagem onde só havia um
passageiro. Por sinal, um alentejano que estava todo molhado, em virtude
de estar sentado num lugar junto a uma janela aberta. «Ó amigo, por que
é que não fecha a janela?», perguntou-lhe o revisor. «Isso queria eu,
mas a janela está estragada.», respondeu o alentejano. «Então por que é
que não troca de lugar?» «Eu trocar, trocava… mas com quem?»

Como bom alentejano que me prezo de ser, deixei o melhor para o fim. O
Alentejo, como todos sabemos, é o único sítio do mundo onde não é
castigo uma pessoa ficar a pão e água. Água é aquilo por que qualquer
alentejano anseia. E o pão… Mas há melhor iguaria do que o pão
alentejano? O pão alentejano come-se com tudo e com nada. É aperitivo,
refeição e sobremesa. E é o único pão do mundo que não tem pressa de ser
comido. É tão bom no primeiro dia como no dia seguinte ou no fim da
semana. Só quem come o pão alentejano está habilitado para entender o
mistério da fé. Comê-lo faz-nos subir ao Céu!

É por tudo isto que, sempre que passeio pela charneca numa noite quente
de verão ou sinto no rosto o frio cortante das manhãs de Inverno, dou
graças a Deus por ser alentejano. Que maior bênção poderia um homem
almejar?


(extraído do Blogue«REXISTIR»

domingo, 13 de junho de 2010

FOI EM 27/06/1940


Serpa, rua da Fonte Santa, junho/1940, 16.30h. O calor é muito, como é costume nesta época. Ana Isabel está prestes a dar à luz o segundo filho. Será rapaz ou rapariga ? Nessa época só se sabia quando as partes nobres estivessem à vista. Onze meses antes, ela já parira uma rapariga, Hermínia Augusta, a 9 de julho, nessa mesma casa, também com muito calor e assistida pelo mesmo parteiro, dr. Castela, médico competente, a quem, , não sei bem porquê, toda a família tratava por compadre Castela. A camioneta da carreira que vinha de Beja estava a passar, por volta das 16.30. A Negrita, cadela perdigueira, companheira de caça de Luís Lobo, marido da Ana Isabel e progenitor da já nascida e do que estava prestes a nascer, latia como que adivinhando que qualquer coisa de importante estava a acontecer.
Ana, rapariga a deitar assim para o forte, bem se esforçava para completar a nobre tarefa, mas o tipo, anciosamente esperado, parecia não querer colaborar. Compadre Castela bem a incitava, acompanhando os incitamentos com alguns cálices de vinho do porto que ia repartindo com a parturiente. Parece que, pela largura dos ombros, deveria ser um moço. E, assim foi de facto. Nasceu mais um alentejano macho, a quem foi dado o nome de Luís Filipe, que ainda hoje, passados 70 anos, por aqui anda, para alegria e felicidade de muitos e indiferente aos outros. Bem hajam Ana e Luís ! Gostei muito de ter nascido, sou um homem feliz

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A PONTE DA RIBEIRA DE ODIVELAS

A PONTE DA REBÊRA D'ODEVELAS

Graças a Deus que já tem
Odevelas sua ponte
Cuma estalage de fronte
pruparada
pra quem vier de jornada
nela poder pernoitar,
sem o prigo de s'afogare
da rebêra

O mestre c'afez
capetão d'ingenharia
fêzia toda em mármre
e àvenaria!

OBRA PRUFÊTA!!!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

AS FESTAS DA GUADALUPE - Conclusão

Os festejos em honra da Senhora da Guadalupe teem, entre nós, uma origem secular. Porem, outr'ora effectuavam-se as festas na propria ermida da Senhora, e alli mesmo as procissões, em torno da capella.
Disse festas porque duas eram as que se realisavam: uma, «a dos homens», por ocasião da Paschoa, e outra passado o equinoxio do outomno e pela época das vindimas, chamada «das mulheres».
Á similhança do succedia com as ordens monasticas, parece que somente individuos do mesmo sexo podiam agrupar-se em confraria.
Foi em 1870 julgo, que as duas irmandades se fundiram; e desde então que se vem celebrando uma só festividade em cada anno, a da Paschoa. A qual festividade, de esplendor sempre crescente, passou desde logo a ter logar aqui na villa, em signal de reconhecimento á Senhora, que o povo de Serpa invocára n'um transe angustioso. D'esse transe se occupa o livro manuscripto da « Irmandade dos Homens de Nossa Senhora de Guadalupe», n'uma ocorrencia exarada na primeira pagina, de que transcrevemos os seguintes periodos:

«No anno de 1808 concorrendo huma Primavera, em que houve muita falta d'agua para as cearas e prados, não se esperando senão huma escassez de generos alimenticios e morrinha no gado por falta de pastos, pelo que todo este povo estava decoroçoado por vêr iminente e flagello da fome, que a todos ameassava. Deos Senhor Nosso, como Pai de infinita Mizericordia lhe aprouve tocar nos corações de alguns devotos de Nossa Senhora de Guadalupe e com especialidade nos dos Irmãos da mesma Senhora Manuel das Candeas Cataluna, Francisco Manoel Abraços, José Francisco Chorão, Gregorio Queixinhas, e João Martins Picareta, inspirando-lhes que recorrendo a sua Mai Santissima a Senhora de Guadalupe, na mesma Senhora encontrarião remedio para os seus males. Não exitarão, e unanimemente e todos os seus corações assentarão que devião, depois de suas preces, mandar cantar huma missa na capella da referida Senhora em acção de graças pois que já nos dias dois e trés de Maio havia chovido suficientemente; e no dia doze d'este mez procederão, com concorrencia de muitos devotos, á cantoria de huma festa, dando graças a Deos, e a Nossa Senhora de Guadalupe, por se terem dignado ouvir as suplicas de seus devotos.
Houverão cearas de evidente milagre, porque derão muito trigo, muitos legumes, muitas fructas, e os prados tomarão pastos, com os quaes os gados se nutrirão e criarão. Á vista pois de hum tão evidente milagre, com que Deos nos favoresseo por intervenção de sua Santissima Mãi a Senhora de Guadalue, não esfriemos na nossa devoção para com esta Senhora, continuando em nossas afflições, devendo todos nós estar bem certos, que seu Bendito Filho nada lhe nega e rogando-lhe nós de todos os nossos corações nos obterá de Deos, não só os bens temporaes, mas tambem a salvação eterna das nossas almas.»

******

Refere-me um bom velhote octogenario, a quem eu devo valiosos informes sobre o assumpto em questão, que, por motivo da assustadora estiagem, centenas de creanças vindas de todos os pontos do concelho, caminhavam em romaria para a ermida da Guadalupe a implorar da Senhora, compaixão e misericórdia. O povo ficou conhecendo a piedosa romagem, duzias de vezes repetidas, pelo nome de «Procisão dos Inocentes.»

******

Aproveito o ensejo para registrar as quadras que as raparigas cantam.

Á Senhora da Guadalupe

Virgem mãe da Guadalupe,

Minha mãe minha madrinha,

Se meu bem vae ser soldado,

Oh! que desgraça é a minha !

***

Virgem mãe da Guadalupe,

Minha mãe minha comadre,

Está sempre pedindo a Deus

P'ra que o mundo não se acabe !

***

Virgem mãe da Guadalupe,

Que está na vossa ladeira,

Quem me dera ver meu bem

De ressalva (i) na algibeira !

****

Virgem mãe da Guadalupe

Tem uma fita amarella

Que lhe deram os soldados

Quando vieram da guerra.

****

Virgem mãe da Guadalupe,

Onde tindel-a ermida,

Entre Serpa e o Pechôto (ii)

Nesses olivaes metida !

****

Virgem mãe de Guadalupe,

Quer-lhe pedir uma cousa:

O meu bem vae no exame,

Que não traga uma raposa !

(i) Ressalva - Caderneta Militar

(ii) Denomina-se Pechôto uma das vastas herdades que nesta villa possue o Senhor Conde de Ficalho

TEXTO DE M. DIAS NUNES extraido da Tradição, revista mensal de etnografia, cujo primeiro número foi publicado em 1989.

NESTA TRANSCRIÇÃO RESPEITEI A ORTOGRAFIA DO ORIGINAL.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

AS FESTAS DA GUADALUPE (Altinho)


AS FESTAS DA GUADALUPE

A festa paschoal de Nossa Senhora da Guadalupe (d'Aguadelupes, como o povo diz) é uma das nais importantes festas religiosas que n'esta villa de Serpa se verificam.
E nem podia deixar de ser, desde que a alma popular, sempre ingenua e bôa, pôz todo o enthusiasmo da sua crença, todo o ardor da sua fé sincera e pura na venerada imagem, que habita, lá no cimo da pequena montanha, uma dessas «alvas ermidinhas» que ao nosso grande poeta se antolham.
«Como ninhos virgens de orações piedosas,
Miradoiros brancos de luar e rosas,
D'onde as almas simples entrevêem Deus !...»
Principiam no sabbado de alleluia os preparativos da festa. De tarde vão as irmãs eleitas cuidar do arranjo da Senhora, bem como de S. Luiz e S. Gens, primitivo orago da vetusta ermida.
No domindo - domingo de Paschoa, quasi sempre alegre e ruidoso - veem para a vila as trés imagens alludidas, que ficam expostas á adoração do publico, na parochial egreja de S. Salvador.
O percurso do prestito religioso, desde a ermida até á povoação, merece ser olhado attentamente. Porque é d'uma prespectiva maravilhosa, d'um efeito encantador, direi mesmo d'uma poesia infinita, o lento caminhar da procissão - os devotos vestindo as opas brancas da irmandade - por entre o verde escuro dos trigaes ondeantes e sob as doces fulgurações do claro sól de Abril.
Depostas as imagens na egreja do Salvador, conduz-se o jantar aos presos da cadeia.
Ainda não contei que a irmandade da Guadalupe é quasi exclusivamente composta de trabalhadores ruraes - pobres assalariados, que vivem em permanente "au jour le jour" desde o berço até á cova. Pois não obstante os seus minguados recursos sabem os irmãos da Guadalupe comprehender e praticar a mais nobre e sublime das virtudes - a caridade - distribuindo um abundante jantar aos miseros encarcerados. Esta dadiva gentil de pobres a pobres constitue um meritório feito de abegnação e altruismo.
Após o jantar aos presos ha o sermão de vesperas, largamente concorrido; e já noite cerrada, queimam-se no largo do Salvador apreciaveis fogos d'artificio, intervallados de peças musicaes.
Segunda-feira de manhã - e enquanto no atrio da egreja se promove a venda dos ramos(*) - é a celebração da missa solemne, por musica vocal e instrumental.
Durante a festa, o interior do templo offerece um aspecto pittoresco, mercê da imensa variedade de typos de trajos de elemento camponez.
Á tarde a procissão magna, que de todas se distingue pelo avultado numero de fiéis que n'ella se incorporam. O magestoso cortejo, depois de percorrer o costumado itenerario pelas ruas da povoação, previamente atapetadas de espadana e junça, recolhe á egreja do Salvador; e em seguida, já lusco-fusco, são as imagens reconduzidas á sua campestre morada.


( * )-Presentes de bôlos, fructas, etc., cuja venda é feita em almoeda - venda publica por arrematação .

TRANSCRIÇÃO RESPEITANDO A ORTOGRAFIA DO ORIGINAL

(in "A TRADIÇÃO/1899 - Revista Mensal de Etnografia Portuguesa, publicada em Serpa)

CONTINUA NO PRÓXIMO POSTE


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

COITADO DO PUTO

O BENFICA PERDEU EM BRAGA E DEIXOU 6 MILHÕES ASSIM...

AMOR DE QUALQUER JEITO


AMOR DE QUALQUER JEITO

Poema do Barão de Pindaré Junior*

Qualquer tipo de amor satisfaz:
torto, enviesado, acanhado.
Amor secreto, loquaz, discreto
— tanto faz — amor descarado,
escondido, coletivo ou privado.
Amor a conta-gotas, minguado.
Amor dilacerado, extrovertido.
Que venha de uma vez, se não,
aos poucos, para instalar-se.
Amor de ocaso, de perdição,
cabisbaixo, ou de cabeça para baixo.
VIVA O AMOR

domingo, 7 de fevereiro de 2010

A VIDA É UMA VIAGEM DE COMBÓIO

A vida não passa de uma viagem de combóio, cheia de embarques e desembarques, alguns acidentes, agradáveis surpresas, em muitos embarques, e grandes tristezas em alguns desembarques.

Quando nascemos, entramos nesse magnífico combóio e deparamo-nos com algumas pessoas, que julgamos, estarão sempre nessa viagem conosco, os nossos pais.

Infelizmente isso não é verdade, em alguma estação eles descerão e deixar-nos-ão órfãos do seu carinho, amizade e companhia, insubstituíveis. Isso porém não nos impedirá que durante o percurso, pessoas que se tornarão muito especiais para nós, embarquem. Chegam os nossos irmãos, amigos, filhos e amores inesquecíveis!

Muitas pessoas embarcarão nesse combóio apenas a passeio, outras encontrarão no seu trajecto sòmente tristezas e ainda outras circularão por ele prontos a ajudar quem precise.

Vários dos viajantes quando desembarcam deixam saudades eternas, outros tantos, quando desocupam o seu assento, ninguém nem sequer percebe.

Curioso é notar que alguns passageiros que se tornam tão caros para nós, acomodam-se em vagões diferentes dos nossos, portanto somos obrigados a fazer esse trajecto separados deles, o que não nos impede é claro que possamos ir ao seu encontro. No entanto, infelizmente, jamais nos poderemos sentar ao seu lado, pois já haverá alguém ocupando aquele assento.

Não importa, é assim a viagem, cheia de atropelos, sonhos, fantasias, esperas, despedidas, porém, jamais, retornos. Façamos essa viagem então, da melhor maneira possível, tentando relacionar-nos bem com os outros passageiros, procurando em cada um deles o que tiverem de melhor, lembrando sempre que em algum momento eles poderão fraquejar e precisaremos entender, porque provavelmente também fraquejaremos e com certeza haverá alguém que nos acudirá com seu carinho e sua atenção.

O grande mistério afinal é que nunca saberemos em que paragem desceremos, muito menos os nossos companheiros de viagem, nem mesmo aquele que está sentado ao nosso lado. Eu fico pensando se quando descer desse combóio sentirei saudades. Acredito que sim, separar-me de muitas amizades que fiz será no mínimo doloroso, deixar os meus filhos e os meus netos continuarem a viagem sem mim, será muito triste com certeza... mas agarro-me à esperança que em algum momento, que desejo longínquo, estarei na estação principal e com grande emoção os verei chegar. Estarão provavelmente com uma bagagem que não possuíam quando embarcaram e, o que me deixará mais feliz, será ter a certeza que de alguma forma eu colaborei para que ela tenha crescido tornando-se mais valiosa.

Amigos, façamos com que a nossa estada nesse combóio seja tranqüila, que tenha valido a pena e que quando chegar a hora de desembarcarmos o nosso lugar vazio traga saudades e boas recordações para aqueles que prosseguirem a viagem.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O IDOSO


OLHO DE VIDRO





Poema do Barão de Pindaré Júnior*



Um braço mecânico, um coração de plástico,

um fêmur de alumínio, um fígado transplantado,

um pênis de borracha, uma dentadura acrílica,

uma namorada virtual, uma viagem simulada,

um sentimento de auto-ajuda, uma paixão de locadora,

um orgasmo por teleconferência. Why not?



Tipo assim: relacionamento programado,

com um beijo dos mais performáticos

— imaginem! fotografado com o celular.

Vai aparecer em tudo que é blog!



Vou fazer a tradução automática

e mandar por e-mail para todos os meus

desconhecidos.



Chácara Irecê, 12.05.2007



*pseudônimo de Antonio Miranda para canções de escárnio de maldizer.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010




O MILAGRE DA TRONCANITA
LADISLAU PIÇARRA.

(Relato de um caso invulgar em Serpa lembrado num ex-voto (pequeno quadro), atribuído como milagre a Nossa e Senhora de Guadalupe)

In Tradição II vol. Anno VI, Nº 2, Serpa, Fevereiro de 1904, Volume VI, pp. 25 a 26 (Relato de um milagre atribuído à Senhora de Guadalupe)

[Digitalizado por joraga (em finais de 2009), (para AA Cultural, Almada), procurando manter a grafia registada na época.]


O MILAGRE DA TRONCANITA




imgs - MRita Cortez - in Cancioneiro de Serpa, 1994, p. 342
(ver texto completo clicando na img do texto abaixo)

AINDA ha bem poucos annos, via-se mendigar pelas ruas de Serpa uma velhinha octogenaria, chamada Maria de Guadalupe Troncanita.

A velha Troncanita, como vulgarmente a designavam, tornára-se celebre, porque, em sua humilde pessoa, havia-se operado um grande milagre, tão extraordinario esse milagre que ficára profundamente gravado na memoria do povo serpense, e até figura numa das nossas selectas escolares.

A historia do maravilhoso acontecimento tive eu a dita d'ouvir da propria bôca de Troncanita, em novembro de 1897, contando ella nessa occasião 88 annos d'edade approximadamente. Essa historia contou-m'a a pobre velhinha muito commovida, com a voz tremula e entrecortada de lagrimas. Evidentemente, as suas palavras não occultavam o menor disfarce.

Passemos á interessante narração:

Teriam decorrido uns 39 annos, - disse-me a velha Troncanita, - falleceu lhe uma filha casada, que deixou na orfandade uma creancita do sexo masculino, tendo apenas 3 dias d'edade. A Troncanita, muito afflicta por causa do seu infeliz netinho, pois não encontrava quem o amamentasse, de mãos postas e joelhos no chão, durante tres semanas, pediu a Nossa Senhora de Guadalupe que "lhe deparasse uma ama" para aquelle innocentinho. E com fé tão ardente foram proferidos seus rogos, que um bello dia, estando Troncanita a lavar uns cueiros do neto, no tanque da horta dos "Pisões", onde ella era hortelôa, sentiu os peitos apoiados, e, ordenhando-os immediatamente, viu com grande pasmo que dambos esguichava em abundancia o leite providencial.


Quando este facto succedeu, já havia onze annos que Troncanita tinha dado á luz o ultimo filho, e, por conseguinte, desde ha muito que o seu leite seccára. Nestas condições, é fácil de calcular o assombro que um tal fenomeno produziria no espirito publico!
A noticia espalhôu-se rapidamente, e muita gente correu logo a casa de Troncanita para certificar-se de visu de tão singular occorrencia. Com effeito, a mystica e carinhosa avó lá estava alimentando o neto com o seu proprio leite.


A secreção lactea nos seios apparentemente atrofiados de Troncanita, era uma realidade que ninguem podia contestar; o que, porém, surprehendia toda a gente, eram as circumstancias anormaes em que se produzia aquella funcção organica. Comtudo, o facto ali estava patente aos olhos de todos, e tão impressivo que passou - como era naturalíssimo - á tradicão oral.
O mesmo acontecimento acha-se commemorado num pequeno e modestissimo quadro, existente na ermida da Guadalupe, cuja pintura representa, dum lado N. S. de Guadalupe com o menino Jesus, e, do outro, Maria Troncanita aleitando o neto, tendo ao pé de si um cão grande, que sempre a acompanhava. Entre estas duas pinturas, destaca-se uma pequena gravura representando uma mesa sobre a qual se vê um crucifixo.
Por baixo lê-se o seguinte distico:

- "Este quadro representa o portentoso milagre que fes N. S. de Guadalupe em obsequio de um menino que ficou sem mãi a poucos dias de ter nasido, é neto de Maria Troncanita, e foi o dia des de outubro de 1868, que vendo o menino sem sus-tento pediu de todo coração a N. S. a dita avô do menino mulher de 50 annos, que lhe deparasse quem lhe desse de mamar, e ao poco tempo foi tanta a abundancia de leite que teve a sua avô, que já ficava satifeito."



imgs - MRita Cortez - in Cancioneiro de Serpa, 1994, p. 343
(ver texto completo clicando na img do texto)

*

Convém notar que a lactaçâo de que vimos falando, não se limitou a um fenomeno fugaz, que apparecesse e desapparecesse como que por encanto; pelo contrario, manteve-se por um longo periodo de 14 mezes, que tantos foram os que durou a amamentação, e ao fim dos quaes morreu a creanca.
Por mais extraordinario e anómalo que pareça este facto, não podemos deixar de considerá-lo como authentico, visto que razão alguma se nos apresenta em contrario. Todavia, não é caso unico, outros identicos a sciencia registra. Apontam-se até alguns factos excepcionaes de mulheres que tiveram leite capaz de amamentar, embora essas mulheres nunca tivessem concebido. No proprio homem tem-se manifestado já a secreção lactea. (*) Mas, nem por isso, o caso de Troncanita deixa de ser muito interessante, revelando-se como um effeito da suggestão religiosa.
Psychologicamente, explica-se pela incontestavel influencia que as imagens e as ideias exercem sobre as funcções da vida vegetativa.
A ideia da amamentação que tão intensamente agitava Maria Troncanita, é que, indubitavelmente, actuou por intermedio dos nervos sobre os elementos histologicos das glandulas mammarias, fazendo-as segregar o almejado leite.


LADISLAU PIÇARRA

domingo, 10 de janeiro de 2010

sábado, 9 de janeiro de 2010

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SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”