sexta-feira, 31 de julho de 2009

CAVALO LUSITANO



O CAVALO LUSITANO

O Cavalo Lusitano enquadra-se na família do Cavalo Ibérico, do qual fazem tanbém parte: o Alter Real, o Andaluz, o Zapatero e outros. Por sua vez o Cavalo Ibérico descende do Sorraia (que tem raizes no Tarpan Selvagem da`´Asia) e do Cavalo Árabe - mais concretamente o Berbere do Norte de África -.

No passado, o Cavalo Lusitano foi utilizado pela cavalaria portuguesa e, graças à sua enorme força, tornou-se famoso entre os agricultores enquanto cavalo de sela e tiro ligeiro. No entanto, é nas arenas portuguesas que, enquanto montada dos cavaleiros (toureio a cavalo), é hoje conhecido.

Tal como os outros Cavalos Ibéricos, o Cavalo Lusitano possui uma acção elevada e um quarto traseiro robusto, aprendendo fàcilmente os exercícios de Alta Escola muito usados na tourada.

in site do Cavalo Lusitano - autor João Martins

LENDAS & ROMANCES

Oh ! que guerras são armadas
Nas costas do Maranhão !
Oh filha ! estou muito velho,
Não as posso vencer não.
- Dae-me armas e cavallos, 
Que eu irei por capitão.
Tendes as mãos muito finas, 
Filha, conhecer-vos-hão.
- As minhas mãos, ó meu pae,
Todo o remédio terão,
Mandarei fazer 'mas luvas,
D'ellas nunca sahirão;
Dae-me armas e cavallos,
Que eu irei por capitão.
Tendes os peitos mui grandes, 
Filha conhecer-vos-hão.
- Os meus peitos, ó meu pae, 
Todo o remedio terão,
Mandarei fazer 'ma farda
Della nunca sahirão;
Dae-me armas e cavallos,
Eu irei por capitão.
Tendes cabellos mui grandes,
Filha conhecer-vos-hão.
- Os meus cabellos meu pae,
Todo o remedio terão,
Dae-me cá uma tesoira,
Ve-los-hão cahir no chão;
Dae-me armas e cavallos
Que eu irei por capitão.
- Dou-te armas e cavallos,
E dou-te a minha benção.
- Ó minha mãe, minha mãe,
Os olhos de D. Martinho
A mim me matarão,
Todos os feitos são de homem,
Os olhos de mulher são.
- Pois se o quer's exp'rimentar,
Convida-o para jantar,
Que se elle mulher for,
Nas baixas se ha de assentar.
- Que bellos assentos baixos
Para ás damas offertar !
- Que bellos assentos altos
P'ra D. Martinho se assentar !
- Ó minha mãe, minha mãe,
Os olhos de D. Martinho
A mim me matarão,
Todos os feitos são de homem, 
Os olhos de mulher são.
- Pois se o quer's expr'imentar,
Leva-o a enfeitar
Que se elle mulher fôr
Ás fitas se ha de agarrar.
-Ó que bellas fitas verdes
Para as damas adornar !
Ó que bellas espadinhas
P'ra D. Martinho brigar !
'O minha mãe, minha mãe,
Os olhos de D. Martinho
A mim me matarão,
Todos os feitos são de homem
Os olhos de mulher são.
- Pois se o quer's exp'rimentar, 
Convida-o para nadar
Que se elle mulher fôr
Elle se ha de acobardar.
- Nade primeiro,
Pr'a me poder ensinar;
 Quem quizer casar comigo
Vá ao palaci Real,
Sou filha de D. Martinho, 
Neta de D. Guiomar.
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CONTOS POPULARES ALENTEJANOS
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O lobo e as três fortunas
Era duma vez um lobo que, ao levantar-se um dia, pela manhã, esperguiçou-se e deu três espirros, dizendo: «Oh! que três fortunas que eu hoje vou ter!...»
Poz-se a caminho, e passado um oiteiro, viu dois carneiros guerreando. Quando elle diz lá consigo: «Cá está a primeira fortuna. E esta não é má.» Chegou ao pé dos carneiros, sem elles sentirem e disse-lhes:
- «Que diabo de desordem é essa ? então aqui não há rei nem roque ? pois esperem que eu já vos castigo...»
Os carneiros,  vendo que já não podiam fugir-lhe, responderam:
- « Ó senhor lobo, nós bem sabemos que você nos mata e nos come; mas primeiro, tire-nos lá aqui uma duvida, para ver qual de nós tem razão.»
- «Então que duvida é essa ?» perguntou o lobo.
- «Ora,» - diz um dos carneiros - «é que eu digo que a pastagem aqui para este lado, é do meu dono, e para aquelle lado, é que pertence ao dono do meu camarada; e elle diz que não. E para ficarmos sabendo quem tem razão, pedimos-lhe que veja se este marco está certo com aquelle que está ali adiante.»
O lobo, não desconfiando da malícia do carneiro, aproximou-se do marco para decidir a questão. Poz-se a olhar muito attento para os marcos, a ver se estavam no endireito um do outro, quando uma forte pancada o fez cair por terra, sem sentidos. Tinham sido os carneiros, que, apanhando o lobo distraido, correram ao mesmo tempo para elle e deram-lhe uma valente marrocada.
O desgraça do lobo,  quando tornou a si, lá se levantou com muito custo e marchou dizendo: - «se as outras fortunas forem como esta, acabam de matar-me. E de mais a mais, havendo já dois dias sem comer nada senão mato!»
Ia assim o lobo a lamentar a sua sorte, quando, erguendo a cabeça, avistou, no meio dum valle, uma égua, já muito velha e magra, e uma filha que andavam pastando. Mal as avistou, disse logo: «Estas é que não me escapam; porque a mãe é velha e está magra, e a filha é ainda muito nova para me poder fazer mal. Mas, em todo o caso, não perco nada, matando a mãe, ainda assim, apesar de velha, ella não de dê alguma ventosa (parelha de coices).» O lobo foi-se chegando com toda a cautella para ao pé da égua e disse-lhe:
- «Ó aniga! eu tenho fome... e então tem paciencia, mas vaes morrer.»
Respondeu-lhe a égua:
- « Olha la! eu sou velha tenho a carne dura, e alem disso, estou magra. Mas se tu quizesses, fazias-me um favor, e eu, em paga delle, dava-te a minha filha.»
- «Então que favor é esse ? » perguntou o lobo.
- «Ora, é tirares-me um cravinho passado que tenho numa pata e que não me deixa andar.»
- «Vá lá... isso pouco custa.»
A egua assim que o apanhou a geito, deu-lhe uma parelha de coices tão grande que lhe escangalhou os queixos, e marchou com a filha para casa do dono.
O lobo, ainda com dores, metteu-se pello vale abaixo, e encontrando uma porca com bacorinhos disse-lhe:
- «Ó porca ! tem paciencia, mas eu ando com muita fome, e vou comer os teus filhos.»
- «Ó senhor lobo !» - respondeu a porca - «eu não me importo que me coma os filhos, mas primeiro, vamos baptizá-los.»
- «Então como é que isso se faz?» perguntou o lobo.
- «Olhe!» - diz-lhe a porca - «você sobe para cima do bocal d'aquelle poço e eu fico em baixo para lh'os ir dando dum em um, e você depois vai mergulhando-os e comendo-os.»
- «Bem, pois então vá lá.»
O lobo subiu para cima do bocal e a porca, assim que lá o agarrou,, deu-lhe uma trombada que o fez cair para dentro do poço, e fugiu com os filhos.
Elle como poude lá conseguiu sair do poço e continuou a sua jornada.
Mais adiante, encontrando uma vacca com uma corda atada a uma perna, disse consigo: «Esta agora é que não m'escapa de maneira nenhuma porque eu agarro-me á corda, enleio-a, a vacca cai e eu como-a.» Effectivamente o lobo agarrou-se á corda, mas a vacca assim que o sentiu, desatou a correr, arrastando-o pelo chão. Quando a corda se partiu, o lobo levantou-se em mísero estado, e disse lastimoso:
- «Ora quem te manda, lobo, ser marcador de extremas, alveitar de bestas e baptisador de porcos? E por fim, se a corda se não parte ou o nó se não desata - ir morrer a casa do dono da vacca!»
(E a esta hora lá estarão comendo pão com melão e arroz de cação)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

CANTES DO ALENTEJO

O ELEMENTO ÁRABE NA LINGUAGEM DOS PASTORES ALENTEJANOS

Pelo correr do Outono começam a nascer os borregos, e formam-se as chicadas.
Chicadas são pequenos atalhos de ovelhas, tendo borregos muito novos, apenas de dias e chama-se chicadeiro o homem que guarda cada uma delas. É palavra originalmente espanhola, e julgando-a derivada de chico,- pequeno. A existência de chicada é provisória e muito curta; e, á medida que os borregos tomam forças, vão-se juntando e fundindo aqueles atalhos até ao número suficiente para formarem uma paridade.
Paridade é o rebanho das ovelhas paridas. Não encontro a palavta neste sentido nos dicionários portugueses de que me sirvo, e, no entanto, bem merecia ser ali admitida pois é de uso corrente e acepão bem definida. A paridade orça por quatrocentas ovelhas aproximadamente o que, com os borregos, dá um rebanho de oitocentas cabeças, pouco mais ou menos. Formam-se tantas, quantas o número total exige. Um lavrador que tenha, por exemplo, mil e seiscentas ovelhas de ventre, formará sucessivamente quatro, que os pastores distinguem pelos nomes de paridade temporã, segunda paridade, terceira paridade e paridade serodia (pronunciam seroida). Cda um destes rebanhos tem naturalmente o seu maioral, ajuda e zagal, e é perfeitamente independente de todos os outros.
Andam assim todo o inverno, até que aí pelo mês de Fevereiro, mais tarde ou mais cedo, segundo a força dos borregos e o estado das pastagens, se faz a apartação, isto é, se separam os borregos das mães. Os borregos vão formar dois rebanhos, do gado macho e do gado fêmeo; e as ovelhas passam a ser  regularmente ordenhadas para o fabrico de queijos, e constituem o alavão, ou alavões se o seu número é muito grande.
Alavão é, pois, o nome do rebanho que dá leite. Alguns escrevem alabão; mas adoptei a forma indicada pela pronúncia constante dos pastores.
Voltando às ovelhas, pelo correr do mês de Junho, a ordenha cessa, a queijaria (rouparia) fecha-se, e o gado, na linguagem dos pastores é deitado a vasio. Deixa desde esse momento de haver alavão ou rebanho que tenha esse nome.
Depois, durante o verão, vende-se o gado macho, vendem-se as farotas e as ovelhas que o lavrador não quer ou não pode conservar. O alfeire funde-se nas ovelhas de ventre, as borregas passam a formar novo alfeire, e as coisas recomeçam como nos anos anteriores.
CONDE FICALHO in TRADIÇÃO DE SERPA de 1899.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

TERRA QUE CANTA NÃO MORRE

http://www.youtube.com/watch?v=v1sGpD0ONYM

POEMAS DE LEOPOLDO PARREIRA













O COLÊTE

Ahi lhe mando o colete
que é de tanta estimação.
Foi lavado com sabão
não leva nenhum cheirête.

O sêbo que ele trazia
não era meu nem da mana.
De Ana Rita ou Mariana
sim de certo que seria.

Guarde-o bem que não se fique
do fidalgo essa lembrança.
Para que em memória fique

Quem tinha tão grande pança
e mais tarde justifique
quem lhe ficou com a herança.
Estoril, 4-3-1924




O ELEMENTO ÁRABE NA LINGUAGEM DOS PASTORES ALENTEJANOS

Continuação.
Malato e malata ´é hoje sinónimo de borro e borra. Há muito poucos anos os pastores de Serpa nem a conheciam; mas ùltimamente começaram a empregá-la com frequencia tendo-a aprendido nas feiras. Deve, pois, ser antiga em outras tegiões do Alentejo ou do país. Confesso, que a palavra é para mim perfeitamente misteriosa. De origem árabe não parece ser; e nem Sousa, nem Engelmann e Dozy, nem Yanguas a mencionam. A palavra malato significou em espanhol e em português, doente, adoentado, mal disposto; mas tal não pode ser a origem, porque o gado não tem doenças ou crises especiais no período em que se lhe dá esse nome. Lembraria a palavra mulato, se se provasse - o que eu não sei - que a expressão só se emprega nas regiões onde há gado de lã preta; mas ainda assim, a derivação seria muito forçada. O mais prudente é deixar apenas registada a palavra e a sua significação actual, para que outros lhe procurem as origens.

Carneiro é o borro ou malato, chegado ao seu completo desenvolvimento, aí pelos dois anos. A palavra pertence à linguagem dos pastores, como pertence à de todos, pois é correntíssima. Tem-se-lhe dado várias origens mais ou menos de fantasia; e se vem de carne, como quer o « Diccionario de la Real Academia Española», ou de corno, como mais geralmente se admite, é questão de que me não ocuparei. Ùnicamente notarei que existe na infima latinidade a palavra carnerius ou carnerus; mas é simplesmente uma latinisação barbara do espanhol carnero, como acontece em vários outros casos nos documentos da idade média. Voltando ao Alentejo, os pastores distinguem pelo nome de carneiros pais os que são destinados à padreação; mas habitualmente dizem os carneiros, pela simples razão porque nas mãos do lavrador ficam em geral os que t~em este destino. O resto do gado macho (expressão dos mesmos pastores) é vendido nas feiras, ou como borregos, ou um ano depois, como malatos.
Ovelha é palavra correntíssima de origem latina bem conhecida. Às que foram lançadas aos carneiros, chamam ovelhas de ventre; e às que pela sua idade, ou qualquer outra circunstância, ficaram forras chamam altas. Creio que esta palavra alta deve vir de ligeira, solta, altanada, podendo sem inconveniente se mandada para pastagens e terrenos mais ásperos. Tendo falado em ovelhas forras, é de notar, que o adjectivo vem da palavra árabe horr, feminino horra, que significa livre, liberto. Deu, com a mesma significação, o espanhol horro e horra, e o português forro e forra pela troca habitual do h em f. Aplicada ao gado e no sentido indicado não a encontro nos nossos dicionários, conquanto seja de uso corrente; mas vem mencionada no espanhol da Academia: Ovejas horras, llamam los pastores a las que no quedan preñadas.
Marouco chamam os pastores ao carneiro pai, depois de uma certa idade, quando já está bem formado e encorpado. Falta este termo nos nossos Dicionários; mas vem nos espanhóis, com a forma morueco. Covarrubias define a palavra morueco: «carnero viejo, padre de la manada», exactamente o marouco dos nossos alentejanos. Dá-lhe como origem a palavra muro, porque aqueles carneiros têm a cabeça tão forte, que são capazes de derrubar um muro, como os famosos arietes da velha arte de guerra. É necessário notar que o excelente licenciado D. Sebastião Covarrubias tem ás vezes uma viva imaginação para etimologias.
Farota é a ovelha velha, que se vende nas feiras, ou se dá em pagamento de pastagens e outras serventias, ou como renda por certas terras, ou se mata para alimentação das quadrilhas de trabalhadores, principalmente dos algarvios que vêm às ceifas. O caso é um tanto intricado, e começo por dizer que nunca vi a palavra escrita, e a transcrevo de ouvido como a pronunciam os pastores. A palavra falta nos nossos dicionários e nos espanhóis tem o sentido de: «mulher descarada e sem juizo». É necessário pôr de parte esta origem, porque não há derivação de sentido admissível a aplicar o nome de uma mulher de má nota a uma ovelha, depois de velha. A palavra farota deve ter outra origem, provàvelmente árabe; como parece resultar do seu cunho e da disposição das letras que a compõem. Vejamos se é possível chegar a uma conjectura plausível. Fr. Joaquim de Santa Rosa, no seu excelente Elucidário (Suppl.), dá a palavra farropo como tendo designado um carneiro grande. Aplica-se hoje este nome mais aos porcos, mas parece que antigamente designou um carneiro. Em testamento do ano de 1463, citado por Stª Rosa, se diz: «Levem por oferenda à missa cantada dois alqueires de pão amassado, e um farropo, e uma quarta de vinho....Cinco crelegos cantem por mim cinco missas, e levem por oferenda outros dois alqueires de pão amassado e um farropo e uma quarta de vinho à missa cantada.» No ano de 1468 cumpriu João Alves este testamento fielmente, e no Instrumento, donde consta que o cumpriu, não se mencionam os dois farropos, e sim dois carneirios. Conclui Stª Rosa, ao que parece com razão, que as duas palavras significam a mesma coisa; e tanto mais, quanto não era uso levra porcos às igrejas, e pelo contrário se levavam com frequência os carneiros aos adros das igrejas, como ofertas. Yanguas, no seu Glosario, cita esta palavra farropo, na fé de Stª Rosa, e deriva-a de jarof, palavra árabe, que, segundo o vocabulista de Pedro de Alcalá, significou um borrego.
Passemos agora a examinar qual é constituição dos rebanhos, quais os nomes que lhes dão.
A distribuição do gado de lã do mesmo ano em rebanhos varia naturalmente nas diversas épocas do ano. No fim do Verão, supondo já vendido todo o gado macho, com excepção dos carneiros pais, ficam ùnicamente as ovelhas de ventre, divididas em dois, três ou mais rebanhos, segundo a impotância da lavoura de que se trata; e ficam as borregas do ano anterior, que já então se chamam borras, e vão constituir, durante o inverno e primavera seguintes, o chamado alfeire.
Alfeire é, pois, o rebanho das ovelhas novas, às quais ocasionalmente se juntam algumas das mais velhas que ficassem forras. Em todo o caso, é um rebanho de ovelhas, que nem tiveram, nem estão para ter borregos. Quando se trata de gado de lã, é esta a única acepção da palavra; e diz-se alfeire sem mais explicações. Mas dá-se também este nome aos rebanhos de porcos, que passam, segundo as idades, de serem bacoradas a chamarem-se alfeires, até depois constituirem varas; e aí, nos alfeires de porcos, fazem-se algumas distinções que não vêm ao nosso caso. Também se emprega a palavra como adjectivo, e diz-se, por exemplo, uma égua alfeira, em oposição a uma égua parida ou apoldrada. Devo, no entanto, advertir, que esta última expressão é talvez mais ribatejana que alentejana, e se aplica mais ao gado grosso que ao miudo. Não me lembro de ouvir dizer a um pastor uma ovelha alfeira, dirá antes uma ovelha do alfeire ou das altas.
A palavra é árabe de origem, e vem de al-heir quase sem alteração, pela simples e habitual mudança do h duro em f. Al-heir significa em árabe o curral ou recinto fechado onde se guarda o gado. No antigo português conservou este sentido. Fr. Joaquim de Santa Rosa, no seu Elucidário, cita umas posturas de èvora do ano de 1264, nas quais a palavra alfeire significa curral, e a palavra alfeireiro o homem que ali estava de guarda. Depois, por uma fácil derivação de sentido, passou a designar o gado que se encerrava, particularmente as fêmeas novas e que se queriam mais bem guardadas.
CONDE DE FICALHO
CONTINUA

terça-feira, 28 de julho de 2009

O ELEMENTO ÁRABE NA LINGUAGEM DOS PASTORES ALENTEJANOS

O elemento árabe na linguagem dos pastores
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É bem sabido, como da conquista dos árabes e da sua longa permanência na Península, principalmente na parte meridional, ficaram muitos vestígios no aspecto, nos hábitos, nas indústrias locais e na língua do nosso povo. Quanto à língua, porém, aquela influência limitou-se em geral a enriquecer o vocabulário. A gramática ficou latina ou latino-rústica, sem modificação sensível. A índole das duas línguas, aquela de que já usavam os conquistados e a que traziam consigo os conquistadores, era demasiado diversa para que se pudessem penetrar profundamente.
A linguagem dos povos da Península ficou, pois, intacta ou quase intacta na sua estrutura íntima, e apenas superficialmente enriqueceu de novas palavras. E mesmo na adopção destas novas palavras deu-se uma circunstância notável. São raras, como já indicaram Engelmann e Diez, as palavras abstractas, espanholas ou portuguesas, de origem árabe. Os termos que designam paixões, sentimentos, modos de ser internos do espírito ou da alma, são, com raríssimas excepções, de origem latina, quer dizer, que já se usavam antes da conquista. Parece que dominados e dominadores ficaram durante séculos moralmente separados e afastados. Conservando uma religião distinta, afeições e aspirações diversas, os povos dominados pensavam no seu velho e rude idioma, e apenas aprenderam as palavras necessárias para se entenderem com os seus novos senhores e amos.
Pelo contrário, são frequentes as palavras concretas de origem árabe. Nomes de impostos, de cargos civis e militares, introduzidos pelos que exerciam a autoridade; designação de peças de vestuário e de obejectos de uso comum; termos de ciência, ou das artes e ofícios em que os árabes eram peritos, abundam nas línguas da Península. Com os novos objectos e as novas profissões vieram, naturalmente, os seus nomes. E estes termos são particularmente frequentes naquelas profissões e indústrias a que os árabes mais se dedicavam. Assim, os árabes eram peritos construtores; e nos ofícios de pedreiros e carpinteiros há muitos termos na sua língua, a começar pelo de alvenel ou alveneu, com que na nossa província se designava o pedreiro. Os árabes eram cuidadosos horticultores, e na linguagem dos hortelões há muitas palavras que deles nos ficaram, como é, para dar apenas um exemplo, o nome da conhecida e típica nora da horta alentejana.
Mais que nenhuma outra, talvez a profissão de pastor foi seguida e respeitada entre os árabes. Como os outros povos semitas, os árabes eram tradicionalmente pastores. Pastores de tempos imemoriais na sua remota terra natal. Pastores no norte de àfrica, donde, misturados com os berberes, passaram às nossas terras, Nada mais natural pois, do que encontrarmos um grande número de termos de origem árabe na linguagem profissional do pastor alentejano.
Esta abundância ressalta das seguintes notas acerca das palavras empregadas pelos pastores, notas tomadas principalmente no termo de Serpa, e, receio bem, muito incompletas. Pode haver, porém, um certo interesse em as publicar, porque de um lado, parte destas palavras, ou faltam ou vêm mal definidas nos Dicionários; e, de outro, tendo resistido intactas muitos séculos, se vão obliterando neste nosso tempo, em que tudo se transforma e gasta.
Comecemos pela designação dos próprios pastores.
- Rabadão - é o pastor chefe, a cargo de quem está a fiscalização e inspecção de todos os rebanhos de gado lanígero do mesmo dono. Um grande lavrador, podendo possuir alguns milhares de cabeças, divididas em numerosos rebanhos, tem ao seu serviço um único rabadão.
A palavra RABADAN é de origem árabe, e derivada, segundo o admite Dozy de rabbad-dhan ( o dono ou chefe das ovelhas ou carneiros). Bluteau, que a não inclui no seu Vocabulário, cita-a no entanto, como sendo espanhola: «a que os espanhóis chamam rabadan.» É porém, perfeitamente portuguesa, corrente em todo o Alentejo, pelo menos no distrito de Beja.
É de notar que a palavra vem mal definida nos nossos Dicionários modernos (1899), por exemplo, no de Moraes. <no meu dicionário de Cândido Figueiredo-1913- Rabadão- aquele que guarda gado miúdo. Maioral de pastores.>. Pelo contrário, o velho dicionário espanhol de Covarrubias dá-lhe exactamente o sentido que ainda hoje tem no Alentejo.
Maioral- é o primeiro pastor de cada rebanho - tantos maiorais quantos rebanhos. A palavra nada tem de árabe como é fácil de ver; e a sua origem é perfeitamente clara.
Ajuda-
é o segundo pastor do rebanho. També a sua origem e claríssima e ùnicamente notarei, que se torna francamente como designação própria, e se diz, por exemplo: - O Ajuda de tal ou tal rebanho.
Zagal- significa hoje pròpriamente no Alentejo um rapazito de treze ou catorze anos, que às vezes nem ganha soldada, serve só para comer e auxilia na guarda do gado o maioral e o ajuda. (Serve só para comer ?
auxiliar na guarda do gado,não é nada?). É palavra árabe, e, na mesma forma zagal, significava naquela
língua um rapaz forte e animoso. Por uma simples e natural derivação de sentido veio a designar os pastores moços, habitualmente robustos e desembaraçados. Nesta acepção, no masculino e no feminino, zagal e zagala, a empregaram os escritores espanhóis, Cervantes e outros e, também os nossos portugueses de mais autoridade, como Rodrigues Lobo e Sá de Miranda. É , pois, uma palavra classica da nossa língua. No entanto, inclino-me a crer, que em tempos foi mais espanhola que portuguesa. Gil Vicente, quando escreve em espanhol, serve-se, com frequência, das expressões Zgal e Zagala. No «Auto pastoril castelhano» chama mesmo zagala à Esposa dos cantares, que identifica com Nossa Senhora:

Pues sabes quien es aquella ?
Es la zagala hermosa,
Que Salomon dice esposa
Quando canticava della.

Quando, porém, escreve na sua língua, no «Auto Pastoril português Auto de Mofina Mendes» e em outros, escreve sempre - que me lembre - pastor e pastora, de onde parece não admitir a primeira como genuinamente portuguesa.
Voltando aos nossos pastores de Serpa, temos que entre eles ZAGAL não é sinónimo de pastor ou de pastor moço, mas é o nome próprio e especial do rapazito que anda no rebanho.

Passemos aos nomes, que os pastores dão ao gado, nas diversas idades e circunstâncias.
Borrego e Borrega- lhe começam a chamar desde o nascimento. A palavra cordeiro não é empregada por eles, e, nem sei mesmo se a conhecem.
Borro e Borra- lhe passam a chamar ao ano, mais pròpriamente, lhe começam a chamar aí pelos fins das feiras do verão, quando têm quase um ano. Esta e a precedente palavra procedem da mesma origem, evidentemente latina. Se se derivaram de da lã ainda curta e formando uma espécie de borra, como dizem alguns dicionários; se de burrus, de côr ruiva ou castanha escura, como dizem outros, é o que não procuraremos averiguar. De rest, não me ocuparei em examinar as etimologias das palavras correntes e que se encontram nos dicionár Continua
CONDE DE FICALHO in Tradição de Serpa - 1899


CANTES DO ALENTEJO



ANA MOURA

segunda-feira, 27 de julho de 2009

REI D. SEBASTIÃO EM SERPA


                    D. SEBASTIÃO EM SERPA
Escreveu um certo João Cascão uma narrativa deveras interessante da viagem que o malogrado rei D. Sebastião fez pelo Alemtejo e Algarve em 1573.
O acolhimento que lhe faziam e á sua comitiva era quasi igual em todas as povoações.  As ordenanças com as suas bandeiras receberam o monarcha com salvas e as  municipalidades acompanhavam-no procissionalmente conduzindo-o debaixo do pálio, que em mais uma povoação servira ao imperador do Espírito-Santo, emquanto os foguetes e os artificios de fogo estalavam nos ares. 
Mascaradas, folias pelas (danças) danças de «ciganas», de «almozonas» e de mulatas, homens formados em soisses, (donde fizemos súcias), mouriscas, arremedos á judenga, representações de autos de sempenhados por castelhanos (em Odemira), constituiam os principaes divertimentos, nos quaes o próprio rei não desdenhava de tomar parte quando se tratava de touradas e caçadas. Pode fazer-se ideia do que seriam aquellas festas comparando-as com os actuaes entrudos. Durante a noite as luminarias nas janellas e as abrricas de alcatrão nas muralhas das villas tentavam rasgar o negrume.
Não escapava o rei de receber á entradada das povoações os salamaleques de qualquer magistrado de eloquencia mais ou menos empolada, o qual todavia não tinha a dita de ver a sua producção nas columnas de nenhum Diario do Governo. Em Moura, onde o rei foi recebido por onze  bandeiras de ordenança e duas danças, pronunciou o prior de S. João um discurso em que se dizio o seguinte:
«Os antigos egypcios que em lugar de letras usavão de figuras, quando queriam significar a Deus  pintavam um sceptro direito e levantado com um olho em cima dando a entender por esta figura ser Deus justo e ver tudo. Na sagrada Escritura os Reis se chamão Deuses não por natureza mas por imitação.»
Estas e semalhantes omenagens feitas a rapaz mal educado em todos os ramos que não fossem os sport e religiosos (educação jesuitica), cercado de uma côrte de esfaimados dependentes, não faziam mais do que preparar a crise por que passou Portugal em 158o.
A grossaria do monarcha póde avaliar-se pelas palavras que pronunciou depois de ver as môças da Duquesa de Bragança, que estavam reunidas no guarda-roupa, sala por onde necessariamente o rei havia de passar:
«que bem se poderia ali fazer outra ezefema.» Donde colligiu o chronista que ellas lhe deveriam ter parecido bem.
O enthusiasmo com foi acolhido o monarcha já tinha cessado, quando foi preciso reunir contingentes militares que o haviam de acompanhar na infeliz campanha de África, e tambem quando a inde pendencia da patria exigia mais do que cumprimentos e homenagens artificiaes e interesseiras.. Então como hoje bem pode classificar-se o patriotismo portuguez como «der laermende gedanklosen Patriotismus der Portugisen*», sob o ruido do qual politicos e familias internacionaes retalham ou hypothecam o patrimonio comum.
Da narrativa de Cascão apresento aos leitores da benemerita revista a parte que se refere á permanencia do rei D. Sebastião em Serpa.
«6ª feira 6 de fevereiro ouvio el Rey missa em Mertola ás 6 horas o senhor D. Duarte a ouvio com elle. Soube vindo da Igreja que avia na villa touros e mandou que os tivessem prestes, os quais estavão da bande de allem do rio. Passou el Rey em um bergantim indo ia de caminho para Serpa. Vio os touros em hum serrado que ali avia, mandou sair a elles seu moço de Camara, e lhe fez alguãs sortes, e depois entrou elle e o senhor D. Duarte e o Duque de Aveiro e alguns fidalgos até se vir corromper a festa, e entrar tambem Lopo Roiz, ainda que os touros não tinhão os cornos cerrados. Deixou el Rey esta festa e partio para Serpa que são sete legoas grandes e de roins caminhos, duas legoas antes de chegar a Serpa se desceo el Rey em hum vale, e esteve um pedaço grande descançando. O Duque d'Aveiro estando no caminho a cavalo consoando com alguns fidalgos que comem a sua meza lhe cahio o chapeu no chão, e D. Francisco de Portugal mandou seu filho D. João que tras a mala del Rey qee se descesse e tomasse o chapeu e o beijasse e o desse ao Duque de Aveiro o que elle fez, e o Duque de Aveiro o recebeo com as suas cortezias costumadas. El Rey se pos a cavalo e antes de chegar a Serpa mea legoa o receberão 92 homens de cavalo de capas e espadas e a ordenança de sete bandeiras e á porta da villa estava hum arco de madeira por onde havia de entrar bem concertado com hum vulto de S. Sebastião em cima, e no arco huns versos em latim que adiante se escreverão. A porta estava armada de tapeçaria, e nella feito hum pulpito de madeira em que se lhe houvera de fazer a falla que não houve effeito pello que direy e ira fora da história escrita.
Nesta porta o receberão os vreadores em hum palio de damasco branco el-Rey se deteve parecendolhe pelas insignias que avia falla e o seu porteiro mor e alcaide mor se chegou a elle lhe disse que não avia falla porque o homem que estava para a fazer esmorecera não se atrevendo a fazella. O alcaide mor lhe entregou as chaves da villa e o acompanhou a pé na forma costumada.
Receberam a el Rey com palio em Serpa sendo villa e não notavel** foi mercê particular que el Rey quiz fazer a João de Mello e a D. Martinho Pereira e Manuel Quaresma que são naturais d'esta villa. Isto dizião os praguentos e tambem dizião que soltarão alguns prezos que tinham parte.
El Rey foi levado por huma rua muy comprida e toda armada e com algumas moças bem parecidas até o castello onde estava aposentado, acompanhado de tudo acima dito e com mais cinco danças tres de molheres moças e muito feas e duas de homens, e duas pellas: aqui achou o el Rey recado Rainha.
Serpa he de 1:300 vizinhos, á noite no castello desta villa muitas luminarias. O palio deu-o o estribeiro mór para o Sanctíssimo Sacranento.
Sabado 7 de Fevereiro ouvio el Rey missa em Serpa, o senhor D. Duarte a ouvio com elle, depoide jantar lhe correram touros, andou a elles eo senhor Dom Duarte, e o Conde de Vimioso, e Christovão de Tavora, e o Alferes mór, e Dom Pedro de Menezes, houve dous touros muito arresoados a que todos fizerão sortes, e a que de mais gosto houve assi em el Rey, como em todos, foi huma que fez hum moço de estribeira do senhor Dom Duarte que tomando-o o touro lhe rompeo com hum corno huma aljubebeira que trazia bem provida de cartas de jugar e de tentos e algum dinheiro, e lhe espalhou todo pelo corro. Fica a historia sendo mais fermosa, a quem souber a inclinação que este homem tem a este exercicio de cartas, e bem se enxergou nelle ser-lhe affeiçoado, porque muito devagar as tornou a apanhar todas.
Hum homem velho por festejar a el Rey fez algumas sortes ao touro pezadamente como velho, e el Rey por sua idade não ser para andar no corro houve que estava bebado, e depois que soube que era querer lhe fazer festa, fez-lhe mercê de huns officios que tinha para um filho seu. Os touros acabados partio entre as duas e as tres para Moura pella posta com o senhor Dom Duarte, e o Duque de Aveiro, e todos os fidalgos que quizerão correr que são quatro legoas de jornada. Chegou el Rey a uma fonte e esteve bebendo por hum capeo de tafetá do filho do Conde de Vimioso, e matarão huma adem em alagoa as Coladas, a qual com medo do falcão que lhe tinha dado huma pancada se veyo ali meter. No caminho correndo a posta cahio o cavalo com Dom Rodrigo Lobo, e o tratou muito mal, e de Moura mandou el Rey que se fosse para Evora. Dom Alvaro filho do Conde do Vimioso deu outra queda, mas não fez nada»
*(Das Echo XXI (1902) 2968
** Mais tarde recebeu o titulo de Notável Vila
in TRADIÇÃO

sábado, 25 de julho de 2009

CONTOS POPULARES ALENTEJANOS



LETRAS E TRETAS
(Recolhido da Tradição oral)

Eram d'uma vez uns lavradores que tinham dois filhos; um era estudante e o outro era cabreiro.
Como o ano fosse mau pediram um moio de trigo emprestado ao compadre priôr, que era padrinho do filho que estudava; mas quando colheram a seara não pagaram o trigo, e assim foi correndo o tempo.
Sempre que iam à missa, desfaziam-se em desculpas com o padre por não terem ainda pago, e elle dizia-lhes sempre que arranjassem a sua vida e que pagassem quando pudessem. Mas no outro domingo repetia-se a scena, ate que afinal o padre, já farto de os aturar, disse um dia ao pae: «Olhe compadre, diga ao meu afilhado que arranje uma mentira do tamanho do Padre-Nosso, que já lhes perôo a divida».
O velho ficou louco de contente e foi para casa dizer ao filho que, visto elle ter tantas letras, arranjasse a mentira quanto mais depressa melhor, para ir dizer ao sr. padrinho, como elle desejava; mas o rapaz por mais que estudou, por mais que contava as palavras das mentiras que armava, não conseguiu fazer uma do tamanho do Padre-Nosso; n'umas sobravam, n'outras faltavam, até que declarou ao pae que não podia satisfazer o empenho do padrinho.
O pae ficou triste e muito zangado com o rapaz, dizendo que de nada lhe aproveitava o que o padrinho gastava com elle, visto não ser capaz de arranjar uma mentira.
Núm domingo em que estavam fallando sobre o caso, quando o outro filho veio a casa, disse este:
«Olha que grande coisa ! ter que arranjar uma mentira do tamanho do Padre- Nosso ! Maior sou capaz de arranjar, e ir dizê-la ó padrinho se vocemecê quizer!»
- O que dizes tu meu filho ? lhe diz a mãe. Pois tu atréveste ?
- «Astrevo sim senhora ! Ora dê-me vocemecê licença e lá verá.»
- «Eu sei lá filho ! Tu és amodos que assim tão brutinho, para ires falar com aquela gente.. »
- «Deixe lá mãe que uma pessoa, com'ó outro que diz, tamem não é tão parvo como ós da cidade pensam; ora verá.»
Com esta e outras razões convenceu a mãe e o pae, e no domingo lá foi elle caminho da egreja para dizer ao sr. padrinho a mentira encommendada.
O padre, que já estava prevenido, logo que acabou de dizer a missa foi para a sacristia, com um amigo a quem contou o caso, esperar o rapaz. Este não se fez esperar e de chapeu na mão, pediu-lhe a benção e depois disse:
«Pois meu padrinho eu tinha um colmeal tão grande ! tão grande ! que nem sabia o conto aos cortiços ! Um dia puz-me a contar as abelhas e faltava-me uma. Fui por esse mundo em pergunta da minha abelha e vae sr. padrinho (e nisto batia uma forta palmada na perna do padre) estavam quinze lobos a comê-la ! Eu atiro-lhes com uma ameixa (e traz - nova palmada no padre) e matei-os todos ! Mas só deixaram uma perninha da abelha. Pégo a torcê-la (outra palmada) não deitou nada; começo a destorcê-la e deitou dez almudes de mel ! (enova palmada no padre, que já se encolhia).... Or aqui estava eu sem saber onde deitar o mel ! Fui ao monte buscar um burro, com licença do meu padrinho, (e traz-uma palmada) e carreguei o mel, mas pesava tanto que fez uma ferida nas ancas ó burro! Fui a casa de um alveitar que deitou na ferida um alqueire de ervilhas! Ai meu padrinho ! (e vai mais uma palmada - o padre já suava) fez-se um ervilhal que apanhava três léguas de grandeza ! Cahe-me nelle um porco- espinho que não se lhe viam de longe senão as unhas ! Atiro-lhe com uma foice, espeto-lhe - com sua licença o cabo no cu e (palmada na perna do padre), ó meu rico padrinho, aquillo é que era bonito ver o porco !... Com as pernas ceifava, com a foice debulhava, com a boca pregava cada assopro que cahia a palha para o chão e as ervilhas leveva-as os vento ! Quando se foram a medir deitaram dois moios de trigo e um poucochinho e foi assim que meu pae poude pagar o´meu padrinho ...»
O pobre prior, que tinha a perna derreada pelas palmadas, levantou-se logo e disse ao rapaz que estava perdoada a divida, com tanto que acabasse já a mentira, que era bem maior que o Padre-Nosso.
O rapaz foi logo levar a boa nova á mãe, que ficou louca de contente e convencida de que:
Muitas vezes as trêtas
Valem mais que as letras.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

LENDAS E ROMANCES

Rainha Santa Isabel, 
Mulher d'el-rei D.Diniz,
Muitas esmolas que dava
A ninguem as entregava,
P'las suas santas mãos as dava.
Um dia lhe aconteceu,
Indo c'o seu regaço occupado,
Com el-rei se ha encontrado,
E elle lhe ha perguntado:
- O que levaes, Senhora,
No vosso regaço ?
- Levo cravos e rosas,
P'ra vosso desenfado.
- Cravos em jneiro
São maravilha achados. -
A santa se humildou,
Seu regaço lhe amostrou,
Uma capella de rosas
Outra de cravos achou.
Um dia lhe aconteceu
Ir ao seu palacio pedir
Um pobresinho leproso
Com cinco chagas abertas;
Dizei-me, ó meu irmão,
Se vosso mal não tem cura ?
- O meu mal não tem cura,
Nem será remediado;
Eu vos peço, Senhora,
Que por vossas santas mãos
Meu corpo seja lavado -
A santa que isto ouviu,
Ó seu quarto o levou,
N'uma bacia de prata
Seu santo corpo lavou,
Com 'ma toalha bem fina
Seu santo corpo limpou,
Na cama onde onde el-rei dormia
Seu santo corpo deitou.
Um cavalleiro, que isto viu,
Foi mui triste e fatigado;
- Saiba Vossa Magestade,
Saiba Vossa Senhoria,
A Rainha minha Senhora
Pela clemencia que ousou,
Um pobresinho leproso
Na vossa cama o deitou -
El-Rei, que isto ouviu
Foi mui triste e fatigado:
- Basta ó minha senhora,
Pela clemencia que ousaes !
Um pobresinho leproso
Na nossa cama deitaes -
A santa, que isto ouviu,
Os seus olhos pôz no ceu, 
Os seus joelhos na terra.
El-rei as corrediças correu,
Um senhor crucificado achou:
- Agora vos digo, senhora,
Minha c'roa podeis dar,
O meu thesouro empenhar,
Para dar aos peregrinos, 
Que eu contente hei de ficar.
Em Saragoça nascida,
Em Eztremoz fallecida,
Nas freiras de Santa Clara 
                  Enterrada.
in A TRADIÇÃO - Serpa
 

                         

                        

ESTÓRIAS DA MINHA TERRA

ILL.mºs e R.mºs Senhores = A V.S.ªs representa com o maior respeito Genoveva Roza, mulher de Francisco Pereira, assistente no sitio de Alcolena, Bairro de Belem, na Rua da Silva Nº 15: que ella Suplicante já por três vezes tem exposto a V.S.ªs o lamentavel estado, a que a tem reduzido huã moléstia contrafeita que ha tres annos tem padecido; e referindo em suas justas Representações a origem, progressos, e terríveis effeitos de tão preniciozo mal, como são, além da saude, socego e tranquillidade de sua familia, a triste penuria da sau caza pelos gastos excessivos em medicamentos inuteis; tem a suplicante declarado a V.Sªs. que Maria Salomé, assistente no mesmo sitio, na Rua Nova das Terras, Nº 51, hé a auctora e principal cooperadora da sobredita molestia da suplicante a quem por meios diabolicos tem sempre perseguido em todo e qualquer lugar que seja adequado aos seus malvados intentos, não exceptuando os mesmos templos, e outros santos lugares de devoção e respeito. Porem, apezar de tão necessarias e justas Representações, que até mesmo para utilidade publica a suplicante tem dirigido a V.S.ªs, apezar de fiel e verdadeira exposição dos males, que a suplicante padece, fomentados por aquella abominavel mulher e suas companheiras, havendo bastantes exemplos em outras pessoas, que forão victimas de suas feiticerias; apezar finalmente da escrupoloza obrigação, em que a sua Egreja constitue a todo o catholico de delatar ao tribunal competente individuos tão preversos, como annualmente se costuma publicar: comtudo as Representações e os rogos da suplicante não tem sido attendidos com incrivel prejuizo da saude da suplicante, com grave damno da recta justiça e pasmosa ostentação da suplicada.
        Portanto a suplicante renova pela ultima ves os seos justos rogos, implorando a V.S.ªs a graça de mandar apprehender a suplicada e suas sequazes, examinando primeiro a verdade da suplicante; pois não só he impróprio de seu genio e caracter malquistar indevidamente pessoas innocentes; mas até por conselhos auctorizados de seus Directores espirituaes e Exorcistas tem sido a suplicante obrigada e proceder deste unico e saudavel modo. E, se nem ainda for deferida a supplica que fas, como pede a justiça da sua causa; protesta dirigir os seus rogos sinceros ao rectissimo Tribunal da divina justiça, pelo total abandono e desprezo, que soffre tão importante objecto, por huã Auctoridade tão respeitável. - ERMce.
                                                                                          ********
        Inquisição de Lisboa, nº 14620.
É uma denuncia que não está datada, parece, todavia, ser do princípio do sec. XIX.
(in A TRADIÇÃO - revista publicada em Serpa no fim do sec XIX e princípio do sec. XX)

quinta-feira, 23 de julho de 2009

CONTOS POPULARES ALENTEJANOS


                            GRAÇAS A DEUS PARA SEMPRE
                                CONTO POPULAR DE SERPA                                                         
                                                                  
        Havia n'outro tempo um homem muito ruim para a mulher e filhos, e por isso os fazia passar fomes, batia-lhes, não lhes dava falla, enfim, a pobre mulher vivia num tormento constante.
        Tina elle por costume ser o primeiro que aviava o seu prato, com pouca comida, e principiava logo a comer, de forma que, quando a mulher estava aviando o prato do terceiro ou quarto filho, já elle tinha acabado, e então tirava o prato que tinha o resto do jantar, que guardava num armario, e dizia, á maneira das santas graças:
«Graças a Deus para sempre, tenho a barriga cheia e toda a minha gente»
        A mulher, coitadinha, tinha de comer só pão, para que os filhos comessem o que ella tinha podido tirar do prato, mas era pouco para tantos. E elle como n'aquella ocasdião comia pouco, depois vimha comer o que tinha guardado. Assim succedia todos os dias e a todas as comidas, até que um dia appareceu ali um compadre a quem a mulher, cheia de desgosto, contou o que o marido lhe fazia e a má vida que lhe dava, devido ao seu mau genio.
        O compadre teve muito dó della e dos filhos e prometeu-lhe que o havia de ensinar.
        Veio depois o marido e fez muitas festas ao compadre, convidando-o para ficar em sua casa, etc. etc..
        Chegou a hora de jantar e o dono da casa fez o costume; mas quando foi tirar o prato para ir guardar, depois de recitar a oração costumada, diz-lhe o compadre; - «Espere lá, compadre; se vocemecê tem a barriga cheia, a minha e a das crianças estão despejadas; e como vocemecê me convidou para ficar na sua casa, não hade ser para eu passar fomes»-. O outro envergonhou-se de tornar a assentar-se e foi para o trabalho, e o compadre e a familia comêram a fartar. Depois disse para a comadre: -«Vocemecê não faça ceia, e deixe o resto por minha conta»-.
        Chegou a noite, e depois de terem estado um bocado á lareira a conversar, foram-se todos deitar, mas no meio da noite o dono da casa, que não podia com fome, chamou a mulher e disse-lhe: - «Ó mulher, plamórdeus, vae-me fazer alguma coisa para comer, que não posso estar com fome» -.
        - «Ai hóme ! o que te hei-de fazer a estas horas ?» -.
        - «Faz-me umas papas».
        Levantou-se a pobre mulher, reanimou o lume e pôz o tacho da agua a ferver com a farinha, mas quando estavam quasi promptas, o compadre que tinha ficado na cosinha, para dormir mais quente, atira com as meias sujas para dentro do tacho que, estando mal seguro, tombou, e entornaram-se as papas!
         - «Ai compadre que me desgraçou!».
         - «Então a comadre não estava fazendo barrella ?»
         - «Não senhor, eram umas papas para o meu marido. Então o que lhe hei-de agora dizer?»
         - «Ora conte-lhe o meu engano.»
         A mulher foi para o quarto contar ao marido o que se passou, mas elle que tinha muita fome diz-lhe: «Ó mulher tem paciencia, vae fazer-me um bolo de amassadura, e coze-o no borralho.»
         - « Ora como hei-de fazer isso, se o nosso compadre esta na cozinha, e se me vê ao lume faz-me alguma pirraça.»
         - «Anda lá, experimenta.»
         - A mulher fez o bolo e foi cozê-lo; mas o compadre assim que a viu, veio assentar-se ao lume dizendo que não podia dormir com frio, e pegando na tenaz diz-lhe:
         - «Agora vou contar-lhe a minha história: Olhe comadre, o meu pae era rico, mas só quando elle morreu eramos 14 irmãos, de maneira que teve de entrar a justiça em casa, por causa das partilhas. Que desgraça nos succedeu, minha comadre ! Foi tudo dividido assim : bocado a um, bocado a outro; a um as panellas, a outro os tachos, a outro os pratos, por fim era já tão grande a barafunda, que cada um tirava o que podia.»
        - E a cada quinhão que fallava fazia um risco fundo com a tenaz no bolo, com a cinza, ficou impossivel de comer-se.!
         A pobre mulher, por mais que diligenciava evitar que elle estragasse o bolo, nada poude conseguir, em vista do enthusiasmo com que elle fazia os quinhões, e quando viu o estado em que elle o pôz, disse: - «Ai compadre da minha alma! que era um bolo para o meu marido!»
         - «Ai comadre, porque não m'o disse? E eu julgava que era formento que vocemecê estava fazendo!»
         - «Então agora o que lhe hei-de eu dizer?»
         - «Ora, diga-lhe que dormiu e que o gato o comeu.»
         A mulher isso lhe disse. O marido ficou desesparado, e como não podia ficar assim, resolveu pôr ás costas a albarda da burra e ir ao faval, comer favas cruas. Assim fez, mas o compadre, que o sentiu, pega n'uma espingarda e vae atraz d'elle, e quando o apanhou a comer as favas dispara um tiro. O homem assim que isti ouve começa a gritar: -«Ó compadre não atire que sou eu!»
         O outro fez-se muito admirado e procurou-lhe o que estava ali fazendo coberto com a albarda ? Que elle tinha disparado julgando que era uma rapôsa que estivesse comendo as favas.
         - «É que como hontem não jantei como costumo e nem ciei, não posso dormir com fome, e vocemecê tem estragado o que minha mulher tem ido fazer para eu comer, e por isso me vi obrigado a comer favas.»
         - «Ora muito bem; pois isso que lhe fiz hoje foi para avaliar o que a sua mulher e os seus filhos passam com a sua maldade de os fazer passar fome. Agora que já sabe o que isso custa, deve emendar-se e deixar que a sua familia encha a barriga.»
         O homem serviu-lhe a lição, e d'ahi em diante, comiam todos a satisfazer, e elle já não dizia:
         «Graças a Deus para sempre, tenho barriga cheia e toda a minha gente»

a vida é curta

A vida é curta!

Quebra as regras,

perdoa ràpidamente

ama verdadeiramente,

ri incontrolàvelmente,

nunca deixes de sorrir, por mais estranho ue seja o motivo.

A vida pode não ser a festa que esperávamos,

mas enquanto estamos aqui,

devemos aproveitá-la ao máximo...

NASCES SEM PEDIR E MORRES SEM QUERER !

APROVEITA O INTERVALO !


quarta-feira, 22 de julho de 2009

ESTÓRIAS DE MALTEZES


MONTE DA RETORTA

CONTOS DE MALTEZ *

«Missa como as mais»

Foi em Beja - a velha Pax Julia - há já uns bem puxados anos, quando ainda tinha pompa a tradicional festa do "Espirito Santo", que esta história se passou.
Mestre Manel Cachucho, bom alfaiate e melhor bebedor, juntou-se no ádro de S. Thiago, com o seu inseparável companheiro, Chico Tombinhas, que a deitar seu apelido, era dos primeiros.
Depois da festa na Igreja, resolveram como era seu costume, ir beber a sua canada e, se tempo e dinheiro houvesse, esturrar o seu meio almude. Não era de mais para os dois que sempre estavam preparados com o seu bocado de bacalhau cru, servindo de isco e para puxar a bebida. Entraram nas vendas que encontraram e depois de dar fim à féria da semana, poisaram na praça, sentados num dos bancos os proventos e habilidades dos seus ofícios.
Durou a cavaqueira até que ambos, em profundo sôno, se esqueceram das canseiras desta vida, para verem belezas através de sonhos.
Alta madrugada, acordou mestre Cachucho, e, que háde ver? O Tombinhas estirado no chão a roncar como um varrasco. Espera que eu te arranjo!... Sáca da tezoura do ofício e ao pobre do bate-sola, córta o bigode e no alto do toutiço faz-lhe uma corôa. Muito devagarinho se rapou e foi tratar da sua vida.
O Tombinhas acordou já com o sol por essas alturas e estranhou o beiço superior, passou-lhe a mão e ficou atrapalhado ao ver que não tinha bigode; ao pôr o chapéu sentio frio na cabêça e verificou se aquela estava molhada. Não estava, levou a mão à cabeça percebendo que tinha uma corôa digna de um cónego. Não se ralou, bebeu 10 reis de água-ardente -fiados- na primeira venda que encontrou e marchou para a loja muito satisfeito com o belo dia que tinha passado, não se lembrando da noite.
Entrou em casa cantando "Manelzinho você chóra" e, depois de ter falado à companheira e aos môços, foi para a loja tratar de deitar meias solas nuns butes d'um freguez da Salvada.
Ali pelo meio dia chegou o freguez que ao ver o Tombinhas sem bigóde e com uma corôa muito se riu, perguntando-lhe se ele agora ia ser padre. O Tombimhas não se alterou e disse-lhe: «Ólhe, tmára eu que faltasse algum prior n'alguma freguesia, logo eu lá estava. O latim custa menos que deitar tombas e senão vêja lá o mestre Zé Santinho, ganha mais depois que é sacristão do que quando era oficial da gente fina cá de Beja.».
«Pois olhe mestre» - diz-lhe o freguez - «na Albernôa teem falta de um padre e não há meio de arranjarem.».
«Verêmos isso» diz o Tombinhas, entregando os butes amanhádos ao freguez. Pagou este um quartinho de amanho e despediu-se.
Mal este sahia, Tombinhas fecha a loja, vae para a mulher e diz-lhe: «Oh Catrina vou ser padre!...»
«Oh homem vae prantar os rôtos nas botas caneleiras do Sr. compadre e deixa-te de paleio».
«Q'al paleio nem q'al raio ! Já te disse, vou ser padre», e dizendo isto, abála pela porta fora sem mais aquelas. Sai da cidade entesta com a estrada que vae dar à freguezia de Albernôa e só pára quando ali chegou, a suar em bica. Logo à chegada encontra um almocreve a quem pergunta onde mora o sacristão ou então o regedor, ouvindo esta resposta: « Olhe ê cá nã sê, nem dou borrunto d'essa gente, pregunte isso ó ti Alminhas talvez lhe dê esses informes».
Marchou em cáta do tio Alminhas que era o encarregado do correio e d'este conseguiu saber onde morava o sacristão e o regedor. Foi a casa do sacristão e depois de lhe meter na cabeça que era padre, levou-o à do regedor com o fim de fazer tocar o sino da egreja e reunir o pôvo.
Junto todo o povo da aldeia, fez-lhe uma fala dizendo que estava pronto a tomar posse da freguezia, se assim o quizessem. Com grande júbilo foi logo aceite o novo prior e resolveram ir no dia seguinte uma comissão a Beja pedir a nomeação ao Sr. Bispo. Assim se fez e foi nomeado o padre Francisco para a Albernôa.
No primeiro domingo que têve de ir dizer missa, às 8.h. da manhã estava a egreja dando um estoiro e muita gente têve de ficar no alpendre do adro. Depois do toque repinicado do sino, sai da sacristia para o altar-mor o novo prior devidamente paramentado, acompanha-o o compádre sacristão que na véspera à noite havia ajustado o seu ganho nas diferentes cerimónias.
Logo que chegou ao altar benzeu-se e agradeceu as ofertas que tinha recebido, a quando da sua nomeação. Não era pouco: 37 borregos, 57 galinhas, 27 queijos, 7 alqueires de azeite, 127 dúzias de ovos e uma dúzia de empadas que o tinham deixado a impar.
Feitos os agradecimentos, fez uma vánia e voltando-se para os devótos diz: «Meus irmãos esta missa é: «Missa como em Beja, missa como em Serpa, missa como em Moura, missa como as mais! Tenho dito». Volta as costas e segue para a sacristia, onde tratou de envergar a batina oferecida pela lavradôra do Monte das Tisnadas e raspa-se caminho de casa, onde a milher já estava como Ama e os oito filhos como afilhados.
Os devotos estavam na egreja julgando que o Sr. prior tinha ido à sacristia por se sentir com qualquer incómodo e continuaram à espera até que passada uma hora o sacristão os veio pôr na rua para fechar a porta. Uma velhinha muito penitente, diz indignada: «mas então a missa?»... Responde o sacristão: «Ora essa, então não ouviu? É porque é surda.». Mais alguns protestaram mas por fim foram sahindo e comentando a seu modo, até um ceareiro da Trindade que se tinha por mais entendido disse: «eu já esperava isto, disseram-me lá no Algarve que os costumes se iam modar e aqui está a prova».
Todos se foram recolhendo às suas casas desejando o próximo domingo para então porem o caso a limpo.
Chegado que foi esse dia foi muito maior o número de fiéis, bastava já de escândalo, como muitos diziam.
Da mesma forma chegado ao altar o padre Francisco diz:: «Meus irmãos, missa como em Mértola, missa como em Brinches, missa como as mais!... Meia volta sacristia, outra meia volta casa....
Os freguezes é que ficaram indignados e resolveram ir queichar-se ao Sr Bispo. Nomeada nova comissão, foi esta a Beja, e, ali se apresentou ao Prelado que a ouviu e por fim resolveu que só um falando de cada vez dissece a forma como o seu prior dizia a missa.
O primeiro a ser ouvido declarou: que o padre Francisco ao chegar ao altar, só dizia: «Missa como em Beja, missa como em Serpa e mais nada. O segundo fez igual declaração, o prior só dizia: «missa como em Moura, missa como em Brinches, missa como as mais. E, assim foram as declarações do resto de toda a comissão que o bom Prelado teve de ouvir.
Terminados os discursos dos reclamantes o Prelado fez-lhes uma grande prelecção, terminando por dizer que estava satisfeitíssimo com o que ouvira, tanto mais que não conhecendo bem o padre Francisco, viu que ele era cumpridor dos seus devêres, visto que na missa era igual aos seus confrades de Beja, de Serpa, de Moura, de Brinches, etc.. Todos da sua diocese e sendo exemplares nos seus deveres. E como ele na missa era igual àqueles outros, seria nomeado cónego na próxima vága que houvesse. Terminou dizendo-lhes que sempre fizessem o que lhes ordenasse o Sr. padre Francisco e que não o tornassema incomodar sem razão.
Foi assim que mestre Tombinhas morreu cónego na Albernôa.

(Contado por Manuel Gomes, no Monte da Retorta em 1926 e, posteriormente, transcrito por LEOPOLDO PARREIRA - meu Avô materno e proprietário da Retorta - )
* Maltez - designação dada a homens que se deslocavam de monte em monte, onde faziam alguns trabalhos, sendo-lhes dada alimentação e alojamento, por curtos espaços de tempo..

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SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”