sábado, 16 de julho de 2011

OUTRORA


OUTRORA...

De capa ao ombro e livro sob o braço.
Nessas manhãs de Abril, que longe vão,
Era certo eu passar, em lento passo,
Junto do roseiral do seu balcão.

Ao ver-me, ela, em costumada oferta,
A sorrir uma rosa me atirava.
Eu, tão feliz, na convicção bem certa
De que ela assim o seu amor provava.

Ah, quantas, quantas horas lá vivia,
De encantamento e de paixão infinda,
Sob aquele balcão, onde fulgia
A sua imagem graciosa e linda!

Por causa dela, enamorado assim,
Faltava a aulas, não andava bem.
É que indomável despontava em mim
A aurora do amor que cedo vem.

Como não tinha voz para cantar,
A colega, que a tinha, lhe pedia
Que cantasse nas noites de luar
As quadras que eu, a ela, lhe fazia.

Minhas cartas de então! Amor ardente
Eu punha nelas, sempre, ao escrever,
Cheias daquilo que, somente,
Um jovem coração sabe dizer.

Parti um dia. Os olhos nos verteram
Lágrimas, quanto a mim, tão dolorosas!
Mas, depois...nossas ilusões morreram
Como haviam morrido as lindas rosas.

Muitos anos passados! Não sei dela.
Nunca mais vira tal balcão querido
Em que eu a adorava, pura e bela,
Tal qual Santa num altar florido.

Deserto, eu hoje o vi...Nem uma flor!
E de tristeza a alma me doeu
Ao recordar o meu primeiro amor,
Nesse saudoso tempo do Liceu

(Henrique Silva, antigo aluno do Liceu de Beja)

AS MINHAS ORQUÍDIAS

 

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segunda-feira, 11 de julho de 2011

Facundo Cabral

Não estás deprimido, estás distraído… Distraído em relação à vida que te preenche… Distraído em relação à vida que te rodeia. Golfinhos, bosques, mares, montanhas, rios.

Não caia como caiu teu irmão que sofre por um único ser humano quando existem cinco bilhões e seiscentos milhões no mundo.

Além disso, não é assim tão ruim viver só. Eu fico bem decidindo a cada instante o que fazer e graças à solidão conheço-me. O que é fundamental para viver.

Não faça o que fez teu pai que tem setenta anos e esquece que Moisés comandou o êxodo aos oitenta e Rubinstein interpretava Chopin com maestria sem igual aos noventa, para citar apenas dois casos conhecidos.

Não estás deprimido, estás distraído. Por isso acreditas que perdeste algo, o que é impossível, porque tudo te foi dado.

Além disso, a vida não tira coisas, te liberta de coisas e até alivia-te para que possas voar mais alto, para que alcances a plenitude.

Do útero ao túmulo, vivemos numa escola; por isso o que chamas de problemas são apenas lições.

Não perdeste coisa alguma. Aquele que morre está adiantado em relação a nós, porque todos vamos na mesma direção. E não esqueças, o melhor Dele, o amor, continua vivo em teu coração.

Não existe a morte… Apenas a mudança. E do outro lado te esperam pessoas maravilhosas: Gandhi, Madre Teresa, teu avô e a minha mãe, que acreditava que a pobreza está mais próxima do amor porque o dinheiro nos distrai com coisas demais e nos machuca porque nos torna desconfiados.

Faz apenas o que amas e serás feliz. Aquele que faz o que ama está benditamente condenado ao sucesso, que chegará quando for a hora, porque o que deve ser será e chegará de forma natural.

Não faças coisa alguma por obrigação ou por compromisso, apenas por amor. Então terás plenitude e nessa plenitude tudo é possível sem esforço, porque és movido pela força natural da vida, a mesma que me ergueu quando caiu o avião que levava minha mulher e minha filha; a mesma que me manteve vivo quando os médicos me deram três ou quatro meses de vida.

Deus te tornou responsável porém como ser humano que és tu. Deves trazer felicidade e liberdade para ti mesmo. E só então poderás compartilhar a vida com os outros.

Lembra-te: “Amarás o próximo como a ti mesmo”. Reconcilia-se contigo, coloca-te na frente do espelho e pensa que esta criatura que vês é uma obra de Deus, e decide neste exato momento ser feliz, porque a felicidade é uma aquisição. Aliás, a felicidade não é um direito, mas um dever, porque se não fores feliz estarás levando amargura para todos os teus vizinhos.

Um único homem, que não possuía talento ou valor para viver, mandou matar seis milhões de judeus, seus irmãos.

Existem tantas coisas para experimentar e a passagem pela Terra é tão curta, que sofrer é uma perda de tempo. Podemos experimentar: a neve no inverno, as flores na primavera, o chocolate de Peruggia, a baguete francesa, os tacos mexicanos, o vinho chileno, os mares, os rios, o futebol dos brasileiros, ‘As Mil e Uma Noites’, ‘A Divina Comédia’, ‘Dom Quixote’, Pedro Páramo, os boleros de Manzanero, as poesias de Whitman, a música de Mahler, Chopin, Bethoven, as pinturas de Caravaggio, Rembrandt, Velasquez, Picasso e Tamayo, entre tantas outras coisas.


Se estás com câncer ou AIDS podem acontecer duas coisas, e ambas são positivas: se a doença ganha, te liberta do corpo que é cheio de processos (tenho fome, tenho sono, tenho vontades, tenho dúvidas…). Se tu vences serás mais humilde, mais agradecido, portanto, facilmente feliz, livre do enorme peso da culpa, da responsabilidade e da vaidade, disposto a viver cada instante profundamente. Como deve ser.

Não estás deprimido, estás desocupado.

Ajuda a criança que precisa de ti, essa criança será sócia do teu filho. Ajuda os velhos, e os jovens te ajudarão quando chegar a tua vez. Aliás, o serviço prestado é uma forma segura de ser feliz, como é gostar da natureza e cuidar dela para os que virão.

Dá sem medida e receberás sem medida.

Ama até que te tornes o ser amado. Mais ainda, converte-te no próprio amor.

E não te deixes enganar por alguns homicidas e suicidas. O bem é maioria, mas não se percebe porque é silencioso. Uma bomba faz mais barulho que uma carícia. Porém para cada bomba que destrói, há milhões de carícias que alimentam a vida. Vale a pena, não é mesmo?

Se Deus possuísse uma geladeira teria a tua foto pregada nela. Se Ele possuísse uma carteira tua foto estaria nela. Ele te envia flores a cada amanhecer, a cada manhã. Cada vez que desejas falar Ele te escuta. Ele poderia viver em qualquer ponto do Universo, mas escolheu o teu coração. Encara amigo, Ele está louco por ti.

Deus não te prometeu dias sem dor, riso sem tristeza, sol sem chuva. Porém Ele te dá força para cada dia, consolo para as lágrimas e luz para o caminho. Não, … não estás deprimido, … estás distraído!

Facundo Cabral

segunda-feira, 25 de abril de 2011

ANCIÃO: O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS

ANCIÃO: O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS

O VALIOSO TEMPO DOS MADUROS

O valioso tempo dos maduros

Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade.
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!"



Poesia de Mário de Andrade



domingo, 23 de janeiro de 2011

ANCIÃO

ANCIÃO

Pobres de pobres são pobrezinhos,
Almas sem lares, aves sem ninhos

Passam em bandos, em alcateias
Pelas herdades, pelas aldeias.
E em Novembro, rugem procelas...
Deus nos acuda, nos livre delas.
Vem por desertos, por estevais,
Mantas ao ombro, grandes bornais,
Como farrapos, coisas sombrias,
Trapos levados nas ventanias ...
Filhos de Cristo, filhos de Adão,
Buscam no mundo côdeas de pão!
Há os ceguinhos, em treva densa,
De olhos fechados desde nascença.
Há os fridas esburacadas,
Roxas de lírios, já gangrenadas.
Uns, de voz rouca, grandes bordões,
Quem sabe lá se serão ladrões!...
Outros humildes, riso magoado,
Lembram Jesus Cristo que ande disfarçado ...
Enjeitadinhos, rotos, sem pão,
Tremem maleitas, de olhos no chão ...
Campos e vinhas! Hortas com flores!
Ai, que ditosos os lavradores!
Olha: fumegam tectos e lares ...
Fumo tão lindo ... branco, nos ares!
Batem às portas, erguem-se as mães,
Choram meninos, ladram os cães ...
Rezam e cantam, levam a esmola,
Vinho no bucho, pão na sacola.
Fruta da horta, caldo ou toucinho.
Dão sempre os pobres a um pobrezinho.
Um, que tem chagas, velho coitado,
Quer ligaduras ou mel rosado
Outro, promessa feita a Maria,
Deitam-lhe azeite na almotolia,
Pelos alpendres, pelos currais,
Dormem deitados como animais.
Em caravanas, em alcateias,
Vão por herdades, vão por aldeias ...
Sabem cantigas, oraçõezinhas,
Contos de estrelas, reis e rainhas ...
Choram cantando, rezam penando
Ai, só a morte sabe até quando!..
Mas no outro mundo Deus lhes prepara
Leito o mais alvo, ceia a mais cara ...
Os pés doridos lhos lavarãoSantos e santas com devoção!
Para lavá-los, perfumaria
Em gomil de ouro, de ouro a bacia.
E, embalsamados, transfigurados,
Túnicas brancas, como em noivados,
Viverão sempre na eterna luz,
Pobres benditos, amem Jesus
«Guerra Junqueiro»

terça-feira, 4 de janeiro de 2011


A Terra

Última mãe carinhosa
que nos recebe em seu seio,
é a terra de onde veio
o trigo, o azeite e a rosa.

Quando o homem primitivo,
por Deus, d'ela foi tirado,
ficou sendo filho amado;
protege-o morto ou vivo.

Enquanto pode alimenta,
dá-lhe frutos,flôres, prazer
e quando a Alma se auzenta,

o corpo vae recolher
e para sempre acalenta;
parte d'ela torna a ser.

POEMAS DO AVÔ LEOPOLDO (O Colete)


Meu triste montado velho
Que paz tem quem te procura
E, em ti, vem achar o espelho
De uma vida sem doçura,
Mas livre de enganos vãos !
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SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”