domingo, 30 de agosto de 2009

SE FORES UM DIA A SERPA

POEMA POPULAR DE SERPA

Vou á ceifa p'ró verão,

Á vindima e azeitona

Que eu não sou «Senhora Dona»

Nem mulher de estimação.

Quem de mim faz mangação,

Quem de mim fizer chalaça,

Deus lhe dê memória e graça,

Luz e muito entendimento,

Que eu ganho p'ró meu sustento,

E sem comer ninguem passa.

(Da tradição oral)

sábado, 29 de agosto de 2009

POEMAS DE MEU AVÔ - NOVENA DO LAVRADOR


NOVENA DO LAVRADOR - 1ª *

A TERRA

Ultima mãe carinhosa

que nos recebe em seu seio,

é a Terra de onde veio,

o trigo, o azeite e a rosa.

Quando o homem primitivo,

por Deus, d'ela foi tirado,

ficou sendo filho amado;

protege-o morto ou vivo.

Enquanto pode alimenta,

dá-lhe frutos, flores, prazer

e quando a alma se auzenta,

o corpo vae recolher

e para sempre acalenta;

parte d'ela torna a ser.

Retorta, 2-XI-1922

Leopoldo Parreira

* 1º de nove poemas dedicados à lavoura

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

POEMAS DE MEU AVÔ

A MINHA AVÒ

= A NOSSA SENHORA =
(Para a Bertha)*


Avé ! Mãe do Redentor !
Sois socorro dos aflitos,
espalhando paz, amôr,
protecção contra malditos.


Bendita é Vossa Graça,
sobre tudo que há no mundo,
quer na terra ou mar profundo;
vosso Amor todos abraça.


Dos homens sois protétora
e das mães consolação,
convertes a pecadora,


patrocinas a razão !
Sempre bôa defensôra
da Alma e do Coração !

LEOPOLDO PARREIRA
Estoril - 1925

* (Bertha = sua esposa e minha Avó materna)


A UMA DAS FILHAS


Quando eu te vi n'este mundo,
eras tão pequenina.
Hoje o meu amor profundo,
vê em ti minha sina.


LEOPOLDO PARREIRA
Estoril- 1925

POEMAS DE MEU AVÔ


À MINHA PRIMA


Tenho no cazal forno e lenha,
farinha peneirada em alguidar,
de amassar e tender é só tratar,
que o pão á fintura cedo venha.


Mas dá-me ainda que pensar,
que deitál'o no fôrno ainda tenha,
para isso meu geito nada engenha,
já depois de muito matutar.


Lembrei-me de pedir-vos minha Prima,
- para não pagar a uma saloia -
a cozinheira. Vae lá a cima,


depois de comer a calatroia,
fornêja, padêja e ultima.
Em troca mandar-vos-hei a poia.


Leopoldo Parreira
Retorta, 1925

*(Calatróia = Alentejo = Sopa de azeite e cebola)
**(Poia = Alentejo = Pão chato, que o dono de uma fornada dá, como retribuição ao dono do forno onde se coze o pão)

domingo, 23 de agosto de 2009

MANIFESTO ANTI-DANTAS

Portugal que com todos estes senhores conseguiu a classificação do país mais atrasado da Europa
e de todo o Mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degredados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia - se é que a sua cegueira não é incurável e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
(Manifesto Anti-Dantas de Almada Negreiros)

UMAS HORAS ENTRE AMIGOS


sábado, 22 de agosto de 2009

POEMA INFANTIL


BIBLIOTECA

Carlos Urbim

Duas traças, irmãs
Biblió e Teca
Na hora do almoço
Com muito alvoroço
Ouvem a voz
Da mãe traça:
Biblió, Teca!
Venham almoçar
Há guisadinho
De papel
Para traçar!

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O MOSTRENGO



.



O Mostrengo



Três vezes do leme as mãos ergueu,

Três vezes ao leme as repreendeu,

E disse no fim de tremer três vezes:

‘Aqui ao leme sou mais do que eu:

Sou um Povo que quer o mar que é teu;

E mais que o mostrengo, que me a alma teme

E roda nas trevas do fim do mundo,

Manda a vontade, que me ata ao leme,

De El-Rei D. João Segundo!’




O Mostrengo

In A Mensagem

LENDAS & ROMANCES


(Recolhidos da tradição oral do Alemtejo)

GERINALDO
- Gerinaldo, Gerinaldo,
Pagem d'el-rei mais querido,
Bem podias, Gerinaldo,
Passar a noite comigo.
- Se eu por ser vosso vassallo,
Senhora zombaes comigo...
- Eu não estou zombando, não,
Devéras é que t'o digo.
Vem entre as dez e as onze,
Acharás meu pae dormido -.
As dez eram dadas
Gerinaldo era venido.
- Quem bate á minha porta,
Quem bate, o que é isso ?
- É Gerinaldo, senhora,
Que vem no vosso serviço -.
Tanto conversaram ambos
Que pela manhã eram dormidos.
O rei, que já lhe tardava,
Foi ao quarto da infanta,
E acha-os ambos dormidos:
- Eu se mato Gerinaldo,
Criei-o de pequenino,
E se mato a infanta
Fica o meu reino perdido;
Aqui fica este punhal
P'ra sinal que sou sabido -.
Acordando Gerinaldo
Deu um ai mui dolorido:
- Acordae, bella infanta,
Acordae que estou perdido:
Entra nós ambos de dois
Um punhal está mettido.
- Levanta-te, Gerinaldo,
Vae-te entregar ao castigo,
Que o meu pae é muito bom
Há-de-te casar comigo -.
- Deus te salve, rei senhor.
- Deus te salve, Gerinaldo,
Que ainda agora és venido.
- Fui fazer uma caçada
E p'ra lá amanhecido.
- A caça que tu caçaste
Come á meza comigo.
- Aqui me tem vossa magestade,
Mande-me dar o castigo.
- O castigo que te dou
É que a recebas por mulher
E ella a ti por marido -.
Diziam os mais vassallos:
- Oh quem tivera a dita
Que Gerinaldo tem tido ! -.
Muitas vezes a ventura
Patrcina os atrevidos,
Quando os não derrubando,
Que a muitos tem sucedido.
(TRADIÇÃO 1902)

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O COMBOIO E O CAVALO


Paula Brito

[ Fábula de Lachambeaudie]


Rival da Locomotiva
Um Cavalo buscou ser,
Supondo que mais do que ela
Ele podia correr.

Num caminho em que tomavam
Ambos igual direção,
Disse ao Vapor o Cavalo,
Brioso escarvando o chão.

Por mais que queiras não podes
A palma ter da vitória,
Nem fazer com que teu nome
Como o meu brilhe na história.

Do fogo que te alimentas
As línguas vejo sair:
É nesse arsenal de guerra,
Que tens que te consumir.

– “ Deveras, tu te apresentas
Como meu competidor?
Pretendes lutar? — lutemos,
Disse ao Cavalo o Vapor.

Malgrado a desproporção
Entre um e outro querer,
Junto da Locomotiva
Põe-se o Cavalo a correr.

Um enche os ares de pó,
Outro de negra fumaça!
Não há triunfo entre os dois,
Pois um ao outro não passa.

Exausto, porém, de forças,
O Cavalo cai e morre;
Que faz a Locomotiva?
Com mais fogo ‘inda mais corre!

—–

Quando a proterva ignorância
Foge do século à luz
No abismo se precipita
A que seu erro a conduz.

Sempre que a velha rotina
Ao progresso der conselho,
Será bom que não te esqueça
De se mirar no espelho.

PROCURA-SE UM AMIGO

(Vinicius de Moraes)


Procura-se um amigo .
Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaro, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor.. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objetivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoa tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim. Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive.







VINICIUS DE MORAES

POEMAS DE ESCARNIO E MALDIZER

D. João VI
Poema do Barão de Pindaré Jr.*


Não tomava banho e fedia a alho
e cebola e as ceroulas ferviam
nas tardes tórridas
de sua Quinta,
sexta, sábado e domingo.

Era o VI,
o sétimo dia
sem banho,
meu nobre João,
rei expatriado,
sentado em seu trono
de vários continentes.

Entrementes,
ardia e todo mundo sabia
de suas manhas
para fugir dos asseios

quando então
construíram em São Cristóvão,
por artimanhas de médico
e curandeiro,
uma Casa de Banhos
- aromáticos, profiláticos -
em que metia suas banhas.

Dom João VI inaugurou
nosso primeiro spa,
entre outros incontestes
pioneirismos

terça-feira, 18 de agosto de 2009

OS POEMAS DE QUE EU GOSTO


Pablo Neruda

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Cuerpo de mujer...

Cuerpo de mujer, blancas colinas, muslos blancos,
te pareces al mundo en tu actitud de entrega.
Mi cuerpo de labriego salvaje te socava
y hace saltar el hijo del fondo de la tierra.

Fui solo como un túnel. De mí huían los pájaros
y en mí la noche entraba su invasión poderosa.
Para sobrevivirme te forjé como un arma,
como una flecha en mi arco, como una piedra en mi honda.

Pero cae la hora de la venganza, y te amo.
Cuerpo de piel, de musgo, de leche ávida y firme.
¡Ah los vasos del pecho! ¡Ah los ojos de ausencia!
¡Ah las rosas del pubis! ¡Ah tu voz lenta y triste!

Cuerpo de mujer mía, persistiré en tu gracia.
Mi sed, mi ansia si límite, mi camino indeciso!
Oscuros cauces donde la sed eterna sigue,
y la fatiga sigue, y el dolor infinito
.

POEMAS D' OUTRAS ORIGENS


PRESENTE

A girafa deu
ao seu
marido
no dia
de Natal
um lenço
colorido
de seda natural.

Que alegria !
- disse o marido -
ponha a pata
nesta pata,
com um pescoço
tão comprido
você não podia
ter-me comprado
uma gravata.


MATILDE ROSA ARAÚJO

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

DESCOBRIMENTO DO BRASIL


E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.

Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram. E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.

Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio. E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar
.

(Trecho da carta de Pedro Vaz de Caminha a El Rei D. Manuel I)

PARA VENCER A VELHICE




Poema do Barão de Pindaré Júnior*

Para vencer a velhice, valho-me de qualquer recurso:
reza, ginástica, caminhada, meditação, livro de auto-ajuda,
sessão espírita, boa alimentação, até terreiro de macumba.

Vale tudo para viver muito mais e mais saudável; amor novo,
“simpatia”, alongamento para alongar e preservar a vida,
chazinho, fitinhas no pulso, implantes, e vitaminas.

Vale tudo mesmo: pré-disposição, pensamento positivo, ioga,
dança aeróbica, comida vegetariana, prótese, tratamento geriátrico.
Estou definitivamente (!) confiante nos avanços da medicina!


Agora só falta combinar com a Morte.





*PSEUDÓMINO DE ANTÓNIO MIRANDA (poeta brasileiro)- em Poemas de Escárneo e Maldizer

domingo, 16 de agosto de 2009

A INSTRUÇÃO EM SERPA


A INSTRUÇÃO EM SERPA

De um folheto impresso na officina de Antonio Rodrigues Galhardo em 1773 e que tem o seguinte titulo:
«Lista dos professores regios, de filozofia racional; rhetorica; lingua grega; e grammatica latina; e dos mestres de ler, escrever e contar, despachados por rezolução de S. Magestade de 10 de novembro deste prezente anno de 1773, em consulta da Real Mesa Censoria de outo do mesmo mez e anno.»*
Nota de José Bentes Saião nomeado professor de grammatica latina em Serpa.
Além d'este possuia a comarca de Beja mais dois professores de grammatica latina, um em Beja e outro em Moura, um professor de grego, um de rhetorica e outro de philosofia racional. Este ultimo professor chamava-se Manuel de Jesus Saião, parecendo pelo seu appelido ser parente do professor de Serpa.
No emtanto havia só tres professores de ler, escrever e contar; dois residentes em Beja e um em Moura.
O Marquez de Pombal tinha com as suas reformas de instrução por fim aniquilar o espirito jesuítico; hoje as nossas reformas nenhum objecto teem em vista que não seja o cuidado material dos professores, na maior parte agentes eleitoraes ou protegidos destes.
Depois da queda do Marquez de Pombal houve largas mudanças. Em 1779 imprimiu-se em Lisboa na Officina Luisiana um folheto com o seguinte titulo:
«Lista das terras, conventos, e pessoas destinadas para professores de philosofia racional, rhetorica, lingua grega, grammatica latina, desenho, mestres de ler, escrever e contar como tambem de aposentados nas suas respectivas cadeiras, tudo por resolução real de S. Magestade de 16 de Agosto do presente anno de 1779, tomada em consulta da Real Meza Censoria de 12 de Janeiro de 1778»*
Nesta lista tem sete povoações da comarca de Beja outros tantos professores de grammatica latina. Entre esses se conta ainda em Serpa José Bentes Saião. O ensino da leitura era ministrado por 16 professores ou institutos religiosos. Em Serpa coube este ensino ao Convento dos religiosos eremitas de S. Paulo. É certo que presentemente ainda não há em Portugal ou não foi restabelecido, o ensino official exercido pelas congregações religiosas, no entanto em 1901 foi garantida a existencia no Paiz dos estabelecimemtos monasticos que se dediquem ao ensino. Gradualmente, como se fosse resultado d'um plano previamente concebido, tem ido renascendo modernamente todas as instituições (compativeis com o progresso feito) que tornaran antipathica a antiga monarchia.
(TRADIÇÃO - 1902)
(

O LOBO E O CÃO (de Olavo Blilac)


O lobo e o cão

Olavo Bilac


Encontraram-se na estrada
um cão e um lobo. E este disse:
– Que sorte amaldiçoada!
Feliz seria, se um dia
como te vejo me visse.
Andas gordo e bem tratado,
vendes saúde e alegria;
ando triste e arrepiado,
sem ter onde cair morto!
Gozas de todo conforto,
e estás cada vez mais moço;
e eu, para matar fome,
nem acho às vezes um osso!
Esta vida me consome…
Dize-me tu, companheiro:
onde achas tanto dinheiro?
Disse-lhe o cão: — Lobo amigo!
Serás feliz, se quiseres
Deixar tudo e vir comigo:
vives assim porque queres…
Terás comida à vontade,
terás afeto e carinho,
mimos e felicidade,
na boa casa em que vivo!
Foram-se os dois. Em caminho,
disse o lobo, interessado:
– Que diabo é isto? Por que motivo
tens o pescoço esfolado?
– É que às vezes amarrado
Me deixam durante o dia…
– Amarrado? Adeus, amigo!
(disse o lobo) Não te sigo!
Muito bem me parecia
Que era demais a riqueza…
Adeus! Inveja não sinto:
quero viver como vivo!
Deixa-me com a pobreza!
Antes livre, mas faminto,
Do que gordo, mas cativo!

PRIMEIRA MISSA EM SOLO BRASILEIRO



PRIMEIRA MISSA NO BRASIL

Na terra amanhecida,
entre as ondas a rir jubilosas de luz
e as árvores em flor, se ergue a árvore da Vida –
a Cruz.


Entre os tupis a marujada ajoelha.


Uma legião de beija-flores passarinha.



Então “no ilhéu chamado a Coroa Vermelha”
Frei Henrique de Coimbra se aparelha
e em paramentos de ouro beija o altar…


A alma argentina de uma campainha
se une aos gorjeios da manhã solar.


Junto aos altos pendões do palmar nunca visto
treme um pendão mais alto, o estandarte de Cristo.


Longe um som de clarim morre em glória no ar.


As resinas do mato, onde em onde,
erguem incenso
turibulando pelos troncos bons.



Frei Henrique celebra e é Deus quem lhe responde
na voz do oceano, seu harmônio imenso,
rolando ao longe um turbilhão de sons.


As campânulas trêmulas nos galhos
tlintam à brisa
sua matina aos pingos dos orvalhos;
e a várzea que se irisa
oferenda ao Senhor
nas passifloras roxas os martírios
e na água em sono as ânforas dos lírios…
Há um repousório em cada moita em flor.


São candelabros de ouro os ipês flamejantes!
E ascenderam ao sol corolas delirantes
como se fossem círios
em louvor.


Quando a hóstia se eleva angelical
sobe com ela o sol no firmamento.


As borboletas – que deslumbramento! –
com os tucanos e arás de tom violento
pintam no azul policromias vitral…


Canta a araponga na floresta longa
como um sino a tanger, dominical.


As naus florem de branco o deserto marinho.
Lembram virgens trazendo, em túnicas de linho,
na alva das velas uma cruz cristã;
e a patena dos sol as consagrou com o vinho
aéreo da manhã.


Oh hora ingênua da Fé! Oh primeiro evangelho!
Pero Vaz escreveu que “um índio já bem velho
apontou para a cruz…” Oh gesto anunciador!


Cabral e os que domaram os sete mares
Unem as mãos tremendo de fervor.


E na luz recém-vinda
em bênçãos tutelares,
a terra em flor se alegra em jubileus…
“a terra graciosa” e tão nova e tão linda! –
a terra desde então desposada de Deus.


Em : Poemas Completos de Murillo (1894-1980)

sábado, 15 de agosto de 2009

SEGUNDA FEIRA




DECIMAS

Vou á ceifa p'ró verão,
Á vindima e azeitona,
Que eu não sou «Senhora Dona»
Nem mulher de estimação.

Quem de mim faz mangação,
Quem de mim faz chalaça,
Deus lhe dê memória e graça,
Luz e muito entendimento,
Que eu ganho para o meu sustento,
E sem comer ninguem passa.

O pedir ninguem extranha,
Porque vem da antiguidade,
Pedir por necessidade,
Ou por devoção ou manha...
Se um homem se desacanha
A pedir a um e outro,
Sempre alcança muito ou pouco;
As esmolas não dão calmas...
Quantos pedem para as almas,
P'ra sustento do seu corpo !

É muito fácil cahir
O ceu todo aos bocadinhos,
Choverem mós de moinhos
E um mosquito as engulir;
Uma só mosca parir
Quatrocentas mil barracas,
Os mortos virem dar sécca
Aos que ainda hão de nascer...
Então poderão dizer
«Ser Jesus Christo que peca»

Virgem da Consolação,
De S. Paulo padroeira,
Hoje em dia Serpa inteira
Com ella tem devoção;
Com muita satisfação
No seu dia é festejada,
Da nobreza acompanhada
Com gloria e com prazer;
Tem sido sempre e há-de ser
De Deus muito abençoada.

Oh! Virgem Santa Maria!
Oh! Virgem Imaculada!
Virgem que foste sagrada,
Mais pura qu luz do dia!
Bem haja a Ave-Maria
Que alumia o vosso ventre!
Mas eu, como penitente,
Confessei o meu pecado;
Já Deus me tem perdoado
Na gloria eternamente.


(Da tradição oral da villa de Serpa)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

À SENHORA DA GUADALUPE-Serpa


ORAÇÃO Á SENHORA DA GUADALUPE






Virgem-Mãe da Guadalupe,


Minha mãe minha madrinha !


Se o meu bem vai ser soldado,


Oh que desgraça é a minha






Virgem-Mãe da Guadalupe,


Minha mãe minha comadre !


'Stá sempre pedindo a Deus


P´ra que o mundo não acabe !






Virgem-Mãe da Guadalupe,


Que está na vossa ladeira !


Quem me dera ver meu bem


De resalva na algibeira !






Virgem-Mãe da Guadalupe,


Tem uma fita amarella


Que lhe deram os soldados


Quando vieram da guerra.






Virgem-Mãe da Guadalupe,


Onde tindel-a a ermida ?


Entre Serpa e o Pechoto *


Nésses olivaes mettida !






Virgem-Mãe da Guadalupe,


Quer-lhe pedir uma cousa,


O meu bem vae ao exame,


Que não traga a raposa !


* - Denomina-se Pechôto uma das vastas herdades que n'esta villa possue o Senhor Conde de Ficalho

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

LOS POETAS ANDALUCES

Qué cantan los poetas andaluces de ahora?Qué miran los poetas andaluces de ahora?Qué sienten los poetas andaluces de ahora?
Cantan con voz de hombre, pero donde están los hombres?Miran con ojos de hombre, pero donde los hombres?Sienten con pecho de hombre, pero donde los hombres?
Cantan, y cuando cantan parece que están solos.Miran, y cuando miran parece que están solos.Sienten, y cuando sienten parecen que están solos.

Belo... de arrepiar por dentro.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

FESTA DA GUADALUPE


A FESTA DA GUADALUPE (Serpa)


A festa paschoal de Nossa Senhora da Guadalupe (d'Aguadelupes, como o povo diz) é uma das mais importantes festas religiosas que n'esta villa (Serpa) se verificam.
E nem podia deixar de o ser, desde que a alma popular, sempre ingenua e bôa, poz o enthusiasmo da sua crença, todo o ardor da sua fé sincera e pura na venerada imagem, que habita, lá no cimo da pequena montanha, uma dessas« alvas ermidinhas»que ao nosso grande poeta se antolham:
«Como ninhos virgens d'orações piedosas,
Miradoiros brancos de luar e rosas,
D'onde as almas simples entrevêem Deus!...»
Principiam no sabbado de alleluia os preparativos da festa. De tarde vão as irmãs elleitas cuidar do arranjo de Senhora, bem como de S. Luiz e S. Gens, primitivo orago da vetusta ermida.
No domingo - domingo de Paschoa, quasi sempre alegre e ruidoso - veem para a villa as trés imagens alludidas, que ficam expostas á adoração do publico, na parochial egreja de S. Salvador.
O percurso do prestito religioso, desde a ermida até á povoação, merece ser olhado attentamente. Porque é d'uma perspectiva maravilhosa, dúm effeito encantador, direi mesmo, d'uma poesia infinita, o lento caminhar da procissão - os devotos vestindo as opas brancas da irmandade - por entre o verde escuro dos trigaes ondeantes e sob as doces fulgurações do claro sol d' Abril.
Depostas as imagens na egreja do Salvador, conduz-se o jantar aos presos da cadeia.
Ainda não contei que a irmandade da Guadalupe é quasi exclusivamente composta de trabalhadores ruraes - pobres assalariados, que vivem em permanente "au jour le jour" desde o berço até á cova. Pois, não obstante os seus minguados recursos sabem os irmãos da Guadalupe comprehender e praticar a mais nobre e sublime das virtudes - a caridade - distribuindo um abundante jantar aos miseros encarcerados. Esta dadiva gentil de pobres a pobres constitue um meritório feito de abnegação e altruismo. Após o jantar aos presos ha o sermão de vesperas, largamente concorrido; e já noite cerrada, queimam-se no largo do Salvador apreciaveis fogos d'artificio, intervellados de peças musicaes.
Segunda-feira de manhã - e
emquanto no atrio da egreja se promove a venda dos ramos (Presentes de bôlos, fructas, etc., cuja venda é feita em almoeda) - é a celebração da missa solemne, por musica vocal e instrumental.
Durante a festa, o interior do templo, offerece um aspecto pittoresco, mercê da immensa variedade de typos e trajos do elemento camponez.
Á tarde a procissão magna, que de todas se distingue pelo avultado numero de fieis que nélla se incorporam. O magestoso cortejo, depois de percorrer o costumado itenerario pelas ruas da povoação, previamente atapetadas de espadana e junça, recolhe á egreja do Salvador; e em seguida, já lusco-fusco, são as imagens reconduzidas á sua campestre morada.
(in TRADIÇÃO - 1899)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

DO ANCIÃO PARA O ANCIÃO


À atenção do Ancião:

REGRAS DA SENSATEZ


Nunca voltes ao lugar
Onde já foste feliz
Por muito que o coração diga
Não faças o que ele diz

Nunca mais voltes à casa
Onde ardeste de paixão
Só encontrarás erva rasa
Por entre as lajes do chão

Nada do que por lá vires
Será como no passado
Não queiras reacender
Um lume já apagado


Por grande a tentação
Que te crie a saudade
Não mates a recordação
Que lembra a felicidade

Nunca voltes ao lugar
Onde o arco-íris se pôs
Só encontrarás a cinza
Que dá na garganta nós

11/08/2009
lpl





segunda-feira, 10 de agosto de 2009

POEMAS DO MEU AVÔ


BACALHAO A PATACO


No tempo da prégação
contra a velha monarquia,
o "Bacalhao a Pataco"
servia a argumentaçaão
e toda a gente sorria !
Como alvar, qualquer macaco !


Veio depois a "egualdade"
com as suas duas manas,
a "liberdade" da bomba,
o tiro da "fraternidade" !
Nós todos feitos bananas,
com promessas d'arromba !


Afonso léva á melhor,
António José barafusta,
o Camacho coitadinho,
está cada vez peor !
O bacalhao não se assusta,
aos trez serve o seu caldinho.


Tomádas as posições,
Bacalhao foi esquecido,
por esta trempe aguerrida,
para os trez espartalhões,
o "patáco" prometido
é já coisa aborrecida.


Jura o bom "Fiel Amigo"
vingar-se, e tem razão !
Pois já nenhum o quer ver.
E resolve lá consigo,
fazer uma indigestão,
ao primeiro que o comer.


Engana-se o barbatana,
que á força de ser comido,
pelos trez da reinação,
ficaram-lhe com tal gana !
Que alem de ser esquecido,
vae servir, para espiação.


P'ra Paris vae o Afonso,
"foie-gras" lá o espera.
O Camacho vinagrada,
para o outro caldo ensonso.
O bacalhao do que era,
passa a ser uma massada.


Apéla p'ró "Zé Povinho"
mas perde logo a esperança,
Nem já mesmo a seis mil reis,
consegue ser comidinho,
ter corrente na balança !
Vingança dos "Infiéis!"...

Retorta-26-VIII-1925

- LEOPOLDO PARREIRA -






domingo, 9 de agosto de 2009

POEMAS DO MEU AVÔ


PORTUGAL, 24-Agosto-1925
***********

P'rá Industria, só ladrões !
P'ró Comércio, mandriões !
P'rá mesquinha Agricultura,
Quem deseje a sepultura !

São estes os escolhidos,
n'esta terra de ilusões !
Com ministérios falidos,
e parlamento aos baldões.

Quem não queira isto aceitar,
tem um caminho a seguir,
se tem honra a mais que tudo.

Se não está p'ra se matar,
e a ninguém queira ferir;
É fazer-se surdo-mudo

Leopoldo Parreira

sábado, 8 de agosto de 2009

POEMAS DO MEU AVÔ


O BOM MALTEZ

Filho de desgraça ou desventura,

tendo a alma limpa de pecado

nunca encontrará amor, ternura.

Vive para o mundo condenado !

Os paes não recorda o desgraçado,

seguindo penitencia pura

basta-lhe água e um bocado,

a Eternidade é-lhe segura

O mundo é seu ! Deus assim o quer.

Caminhando sempre sem destino, 

nunca faz mal, venha o que vier.

Sem leito, é sempre pequenino,

ar p'ra respirar, sol a aquecer.

Vê, gosa, adora o que é divino

(Monte da Retorta - 19-4-1926)

LEOPOLDO PARREIRA

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

MESTRE ALENTEJANO

INGRATA TERRA


DESABAFO D'UM LAVRADOR


Em terra de ingratos homens vamos nós vivendo também, lavradores. De todos os lados, por todos os processos, desde os mais grosseiros aos que se apresentam com o mais beneficiente aspecto, surgem os alçapões em que nos hão-de fazer cair e onde perderemos o suor e o sangue que são a nossa vida. Pacientes que somos, vamos sofrendo as torturas, os insultos, satisfazendo sempre à ganância dos que nos procuram dirigir e por nosso mal nos dirigem, dando-lhe a impressão que os não compreendemos porque os suportamos. E hoje, a cadeia que já nos dificulta os movimentos, irá apertando, apertando sempre, asfixiando-nos, deixando-nos apenas como caminho aberto a fuga, a fuga desta terra que se tornou ingrata para connosco, porque à ingratidão a arrastaram os que dela se tornaram senhores.
E, amanhã, fugindo, cada um de nós levará o saquitel, com um punhado de terra dos seus campos, das suas vinhas, dos seus eirados, para que alma caridosa lha espalhe sobre o corpo, quando a viagem eterna se inicie.
E porque é que este futuro se nos apresenta ? Porque é que consentimos que a terra bôa, que se desentranha em benesses, se converta em madrasta ? Porque é que não reagimos contra todos aqueles que, sem pudor, nos reduzem à condição de escravos e de escravos que não suportam o senhor que lhes rasga a carne com o azorrague da incompetencia e do cinismo.
Porque é que sendo tantos, fortes e poderosos, permitimos que nos escarneçam, nos ultragem, nos reduzam à miséria e à vergonha ?
Eu sei, infelizmente, qual a razão de tudo isto. Eu sei que, se as coisas assim se passam, é porque uma profundíssima onda de egoismo nos invadiu, cada um procurando apenas a defeza dos seus interesses pessoais, não se importando com os interesses da colectividade. E a cegueira que nos tomou é tal, que nem sequer vemos que, não defendendo os interesses justos da colectividade, os interesses individuais nada valem, a parte alguma levam.
Pois será possível que, ruindo uma construção, fique segura e estável, na posição que devia ocupar, uma pedra que segurava outra e que por outra era sustentada ? Não; caindo uma, todas caíriam ao mesmo tempo.
Bem preciso é que os lavradores portugueses atentem um pouco na vida do país; bem preciso é que deitem conta ao que se vai passando, para que intervenham, sem demora, na gerência da coisa pública, orientando-a num caminho seguro e são. Se o não fizerem, a condição de emigrantes, que nos espreita, será o único caminho aberto para fugir à onda que nos procura absorver.
Está-se ainda a tempo; hoje ainda é possível deter a marcha à ruína que avança. Amanhã será tarde.
Porque se espera ?.

Escrito por um Lavrador (Luis Gama) e publicado em GAZETA DAS ALDEIAS em 1926.
(Parece-me que neste tempo ainda não estava em vigor a PAC, nem o ministro da agricultura era o actual)

MISCELLANIA TRADICIONISTA


A CARNE DE GROU

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A classe camponesa da geração que nos precedeu, atribuia á carne de grou a mirifica virtude de conservar por tempo infinito a vida humana.
Era isto crença geral, devéras funda e arreigada, e da qual ainda hoje se notam restos persistentes na phrase popular e local -
parece que comeu carne de grou, com que se exprime a longevidade e resistencia vital de qualquer individuo.
A pessoa que alcançava a suprema ventura de saborear tão exquisito manjar, podia sim, - mercê dos effeitos enevitaveis d'uma edade já avançada, ou victima de alguma doença cruel e ruinosa -, chegar ao estado deploravel da mais completa incção e paralysia, á perda mesmo de todos os sentidos corporaes. Mas, ainda assim, viveria eternamente, embora em misero estado; porque a luz da existencia - acreditavam - essa, sómente abandonava o "engroado" quando almas caridosas e bemfasejas, condoidas de ver penar, se resolviam, depois de muito solicitadas, e não sem certo receio e terror, a deitar o pregão de morte. Consistia este no seguinte:
Depois de meia noite, em dia de sexta-feira, tres mulheres completamente embuçadas em amplos chailes negros, gritavam em voz alta, cada uma por sua vez, sucessivamente, ás esquinas das ruas principais:
(1ª mulher) - Fulano de tal (o nome do paciemte),
- Que comeu carne de grou,
(2ª mulher) - Quiz passar e não passou.
(3ª mulher) - Passe !
Afiançadamente que era remedio santo - rapido seguro e infallivel.
É impagavel a superstição popular !
Serpa 1902

* Grou = Ave pernalta que aparecia no Alentejo na época das sementeiras.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

LENDA DO SECULO XIII

SALUQUIA
Ha uma curiosa lenda mui popular, que corre como tradição, sobre a conquista do castello de Moura, entre os povos que banha o caudaloso Guadiana, terra adentro de Portugal, e que velhos pastores e antigas caseiras referem ainda, nas largas noites de inverno, ao calor irradiante das chammas que devoram os troncos seccos de asinho, sob as grandes chaminés arabes das casas rusticas.
Ao sucesso dá-se por data o anno de 1226, e como acontecido no castello de moura, situado trés milhas a E. do rio Guadiana, por cima de Serpa e entre Beja e Ficalho.
Ouvimol-a contar em o Natal de 1867, a uns pastores que tinham a sua malhada nas margens do rio Ardila, que desemboca no Guadiana antes de chegar a Moura.
O ancião que nos referiu esta lenda era da villa de Monsaraz e ouviu-a varias vezes a um tio seu, prior de Mertola, e irmão de sua mãe, como uma das tradições populares do paiz, ás quais foi mui dado o bom parocho que, como constante caçador, passava as noites nas choças e nas granjas, referindo aos seus companheiros de caça e aos camponezes que queriam ouvil-o, as suas historias portuguezas.
Eis aqui, pois, tão curiosa lenda, algo ornamentada por nós com alguns apontamentos historicos que a tornam mais interessante.

II

Na queda da monarchia das Aftasidas, que reinaram em Badajoz até aos fins do seculo XI e cujo ultimo rei, Omar-Almotawaquil, morreu alanceado nas margens do rio Bekayah (Caya), a uma legua de Badajoz, pelos sanguinarios almoravides, e depois os Almohades, que não foram mais humanos, uma oligarchia pertubadora imperou largos annos em toda a parte occidental da Peninsula, denominada pelos arabes o Al-Gharbyya; e desde Al-Karsr-ibn-Abu-Danés, nome que davam os almohades ás provincias extremenhas de hoje, até aos confins do Guadiana e Douro, isto é, desde Andalusun (Andaluzia), até Chalikia (Galiza), cada comarca foi regida ou governada com melhor ou peor sorte, pelo mais forte, que, nomeado Arráez (Caudilho) de outro Emir mais poderoso, a quem pagava tributos, fazia de senhor feudal entre os seus governados.
A comarca de Serpa, que comprehendia Moura, Mertola, Cacella, Tavira, Moreanes, Ficalho e 32 povos mais em de redor, estava submettida ao mouro Buaçon, poderoso senhor, immensamente rico, que havia pelejado na sua mocidade e agora decançava governando o seu pequeno Estado. Do antigo castello romano, denominado Aroche, em ruinas desde o seculo IX, fez elle uma linda fortificação, dando logar junto a seus muros a uma villa, que denominou Moura, pelos que a povoaram, em consequencia do sucesso que anima esta lenda.
Tinha Buaçon uma filha, chamada Saluquia, qur por sua formusura era o encanto de todos os jovens da comarca, e para ella designou, como patrimonio em seu casamento, a villa e castello de Arche, que já começara a governar, como Alcaideça ou Caid do mesmo, desde 1224, segundo uns, ou desde 1219 segundo outros.
Enamorou-se de Saluquia um jovem mouro chamado Al-Brafama, senhor do castelo de Yelmeña, (a que hoje chamam Jerumenha), o qual moço, tido por mui valente, era respeitado por todos os mouros e não menos temido pelos christãos. O velho Buaçon, pae da formosa Saluquia, associara-se varias vezes, em emprezas bellicosas contra christãos, ao Caid de Yelmeña, e com sorte prospera umas vezes e outras adversa, compartilhou com elle as contigencias da guerra.
A principio não levou a bem estes amores o velho Buaçon, que sem duvida sonhava para Saluquia algum principe de stirpe real; mas a Alcaideça de Aroche não era do mesmo perecer e offereceu a sua mão ao jovem Al-Brafama, a quem desde muito queria para marido. Vencida, pois, a vontade do velho Buaçon, concertaram os dois jovens as suas bodas para 29 de junho de 1226 (623 Hegira), dia do Apostolo S. Pedro, muito celebrado pelos christãos com festas, nas quaes por egual tomavam parte os mouros.
Haviam começado antecipadamente para os fellah, ou aldeãos lavradores de Aroche, estas festas, com motivo das que dedicavam a S. João Baptista em 24 de Junho; pis como é sabido, mouros e christãos commemoravam juntos, em Hespanha e Portugal, as festas do fogo, chamados pelo povo as Fogueiras de S. João, verdadeiras recordações do solstício estivo dos tempos pagãos da antiga Roma.
Tudo era allegria, naquelle anno entreos rumies (christãos) e a gente do islam (mahometanos). Desde a vespera do Baptista, as fogueiras illuminavam os campos de Aroche, e ao resplendor das candeias que rodeavam os velhos muros do castello governado pela formosa Saluquia, bailavam as harasas (raparigas) e belledies (camponezes) ao som de alegres canções, em que o kilaból agami (trovador) se fazia acompanhar das guiatras (guitarras), guenberi (bandurras) e tars (pandeiros).
No dia 28, preparava-se a Alcaideça de Aroche para receber na manhã seguinte, dia de S. Pedro, o seu promettido, que viria cavalgando pelo largo albalate (caminho) da pinturesca Jelmanyah, acompanhado de um bom numero de cavalleiros e peões, quando uma noticia que lhe deram os beledies de Aroche a encheu de negros presagios. Segundo estes camponezes, que regressavam de Sheberina (Serpa), tinham visto cruzar o caminho a um numeroso tropel de cavalleiros christãos, armados e em som de guerra, que vinham como do castello de Paymogo, comandados por D. Alvaro Rodrigues e seu irmão D. Pedro, inimigos de Brafama. E não foram infundados os temores de Saluquia, pois no dia seguinte amanheceu, o castello de Aroche, cercado por 2000 cavalleiros christãos. Saluquia subiu ao alto do Almocabar para dalli dominar malhor os arredores do castello, observando com grande pena que as hostes christãs começavam rijamente o ataque. Poz em movimento toda a povoação; fez soar o atambar e o derburya d'um a outro extremo do castello. De prompto se puzeram na defensiva os seus governados; mas o inimigo era numeroso, e á primeira investida apoderou-se do povoado que rodeava a fortalez. Saluquia, louca de terror, refugiou-se na Borch-Calat (torre de menagem), para arengar aos que valentemente luctavam nos ameiados muros. O seu esforço era inutil. Os crhistãos conseguem penetrar pela Bab-as.sheberine (a porta de Serpa), e em turbulento tropel avançam castello acima, gritando:« Victoria, victoria !» Os seus desejos eram fazer captiva a alcaideça, a formosa Saluquia; mas esta comprehendendo-o assim, arremessou-se por um ajimez da torre de menagem, ficando morta nos pedregaes do fosso. Os crhistãos recolheram o corpo ensanguentado, que conduziram para o castello, e prepararam-se para resistir ás hostes que acompanhassem o Caid de Yelmeña, que não se fez esperar muito, pois ás trés horas da tarde deu vista ao castello em companhia do ancião, pae de Saluquia, ambos seguidos d'uns 25 cavalleiros; e apenas informados do triste sucesso acontecido poucas horas antes, cheios de pena, ardendo em ira e com as lagrimas nos olhos, retiraram-se para Sheberina a deliberar entre si o que poderiam fazer para reconquistar Aroche e vingar juntamente a morte da sua Alcaideça. E segundo as chronicas lusitanas, é fama que esta villa ficou desde então sob o domínio dos christãos, que, ao repovoarem-n'a, a denominaram Villa Nova de Moura, em memoria, sem duvida, da celebre Alcaideça da villa, a formosa Saluquia.
(in TRADIÇÃO DE SERPA - 1902)


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

CONTOS POPULARES

A VIUVA


Havia n'outro tempo uma mulher casada que tinha uma filha ainda pequena. Ella era muito amiga de festas e de bailes, mas como o marido era muito doente não podia sair e ir a divertimentos, e por isso tomou-lhe uma zanga tal que não o podia ver.
Peorou o homem e já não se levantava, e ella não queria saber delle. Só de vez em quando, para as visinhas ouvirem, lhe dizia muito rijo:
«Lourenço, queres um caldinho ?»
«Quero sim mulher.» Ella então dizia-lhe devagarinho: «Tem paciencia meu rico filho, meu rico menino, que agora não há» Depois dizia para a filha: «Zefa ! vae ajudar a ver morrer teu pae, que no domingo ha festa e tua mãe, se elle morrer, concertez já lá vae.»
Morreu o homem mesmo no domingo, e a mulher estava toda triste por ter de chorar o marido e não poder ir á festa. Tanto se lamentou por isto que uma visinha disse-lhe que ficava chorando enquanto ella ia, mas que lhe daria em troca um alqueire de centeio.
Acceitou a viuva a proposta e foi logo vestir-se e arranjar-se e marchou depois para a festa, que devia terminar com baile.
A carpideira toda a noite andou á roda do defunto, que estava estendido num esteirão, e ella fingindo que chorava, dizia:

«Aqui ando eu,
A chorar o alheio,
Por alqueire de centeio.
Ai meu meu bello marido morto !
Sirva-te isto de conforto ! »

Assim levou a carpideira toda a noite, emquanto a viuva se estava divertindo, com a consciencia tranquila, visto que o seu dever outra o estava desempenhando.
Chegou o dia e a viuva voltou para casa justamente quando a carpideira, repetindo a lamentação, dizia:

Aqui ando eu
Chorando o alheio
Por um alqueire de centeio !
E sabe Deus se será bem cheio !»

Ouvindo isto, a viuva, tocando as castanholas e dançando em volta do marido, respondeu logo:

«Cheio e recheio !
Calcado e recalcado !
E ainda por cima Um grande punhado.
E zus câtâtruz !
E zás câ tâ traz !
Bem hajam as festas !
E mais quem as faz !»

Serpa, 1902 - da tradição oral.


terça-feira, 4 de agosto de 2009

MISCELLANEA TRADICIONISTA


I
SOBRE A AMASSADURA
Toda a mulher alemtejana, desde a mais pobre e humilde até á mais rica e opulenta, sabe amassar e tender. É um dos serviços domesticos, que entra indispensavelmente na educação feminina, em obediencia á força dominadora de salutares habitos tradicionaes que - Deus louvado ! - ainda vigoram n'esta abençoada provincia transtagana.
Conheço, sobre a amassadura, alguns preceitos devéras interessantes, que passo a referir.
Depois de peneirada a farinha e feita a "presa" (represa) no classico alguidar de barro vidrado, a amassadeira benze devotamente o contheudo da vasilha, proferindo as palavras sacramentaes: «Padre, Filho, Espirito Santo».
E em seguida principia o fabrico da massa.
Ao lançar no alguidar a ultima porção d'agua, a amassadeira diz assim:
«Lá vae
Em louvor de Santo Antão,
P'ra que cresça mais um pão.»
ou:
«Lá vae
Em louvor de Santo Antão,
P'ra que cresça agora em massa
Conforme cresceu em grão.»
Terminado o fabrico, a amassadeira cobre o pão d'uma camada espessa de farinha e finca-lhe depois, com a mão em cutelo, uma cruz algo profunda, rezando ao mesmo tempo:
«Deus te accrescente,
E as almas do ceo, p'ra sempre.
E assim como a Virgem é pura,
Assim Deus me accrescente
A minha amassadura.»
Faz-se mister muito cuidado na abertura da referida cruz, que deve ser pequena, pois - segundo affirma o provérbio - «quem grande cruz faz na massa, grande cruz passa.»
O fermento tambem leva uma cruz, que muito convem polvilhar de sal, para evitar os malefícios das bruxas.
O dicto popular:
- «Aonde irá a bruxa cear ?
- «Onde houver fermento sem sal »,
bem que põe de sobreaviso as mulheres que amassam.
******
II
AS PEDRAS DE RAIO
Já não faz mister outra campanha, como a que sustentou no começo do seculo passado o insigne naturalista francez, Boucher de Perthes, a fim de convencer os espiritos cultos d'aquelle tempo - de que as pedras vulgarmente chamadas de raio representavam apenas os primeiros instrumentos de trabalho fabricados pelo homem.* Para quem for, ao menos, medianamente instruido, o facto não offerece hoje a mais ligeira dúvida.
Mas se isto é assim tratando-se de pessoas ilustradas, já não se dá o mesmo com gente inculta, a qual ainda vê nas machadinhas prehistoricas, as pedras de lume terrorisantes com que Deus castiga e pune os humanos peccadores.
D'esta crença supersticiosa driva o grande apreço em que o povo tem as referidas pedras, as quaes adora e guarda como se foram reliquias sagradas, attribuindo-lhes varios poderes e virtudes miraculosas.
Segundo a lenda espalhada n'esta região, as machadinhas** - chamadas pedras de raio ou pedras de corisco, conforme são maiores ou menores, - penetram no sólo até á profundidade de sete varas; depois vêm subindo, subindo, uma vara em cada anno, até chegarem á flor da terra. A principal efficacia milagrosa que por aqui se lhes liga, é á de preservarem de perigos.** * «Onde um não cae outro» - é a própria expressão e a convicção popular.
Em consequencia de tão precioso attributo, as macchadinhas difficilmente se obteem, apesar da sua abundancia n'esta região.
A gente do povo costuma fechal-as a sete chaves dentro da arca de pinho ou do bahú; e a burguezia illetrada, essa guarda-as, talvez, no ámago dos oratórios, ao lado dos santos e santas de maior devoção.
* Antes de Boucher de Perthes affirmára Buffon - affrontando as iras da reacção - que as machadinhas eram nem mais nem menos do que os primeiros monumentos da arte humana.
- Coincidencia notável: Buffon falleceu, precisamente, no anno em que Boucher de Perthes viu a luz do dia (1788).
PARA MIM - LLOBO - SE ME É PERMITIDO, AS MACHADINHAS ERAM «COUP DE POING» SERÁ ?
** AH! AH! MINHA MACHADINHA QUEM TE PÔS A MÃO SABENDO QUE ÉS MINHA ?... (LLOBO)
*** Perigo = ráio ou corisco.
******
III
A OITAVA DO GORRO
Parece que, n'outras eras, ha um século talvez, as raparigas do campo, aqui por estas redondezas, costumavam brindar os respectivos derriços com um gôrro ou barrete de linha azul, pacientemente feito á agulha nos largos serões de inverno.
Á curiosissima praxe, outr'ora observada entre namorados, allude a tradicional oitava, em que um amante nada gentil ousa detrahir (depreciar) o acabamento da prenda recebida:
Tenho vergonha de pôr
Esta obra na cabeça !
Oh ! vê lá, não te aconteça
Eu perder-te o amor...!
Busca outro superior,
Outro que tenha mais geito,
Que eu sempre te quer'dizer
-Que o gorro não está bem feito !
******
IV
NA DEFUNÇÃO* DAS CREANÇAS
*Defunção- Falecimento.
Não ha muitos annos, ainda felicitavam-se os paes pela extinção dos filhos que a morte arrebatava em tenra edade - os filhos, «innocentes anginhos, que Deus chamava á sua divina gloria.»
Na gente do campo, em Serpa, eram assim os cumprimentos do estylo, trocados entre o felicitador e a mãe da creança morta:
- «Seja muito parabem de dar um menino ao Céo.»
- «Ditosa da mãe que é ama de Deus Nosso Senhor.»
******
V
OS MANDAMENTOS DO CLERIGO
Primeiro - Servir a Deus por dinheiro.
Segundo - Enganar a Deus e a todo o mundo.
Terceiro - Bôa cama, melhor travesseiro.
Quarto - Jejuar de pois de farto.
Quinto - Differençar o branco do tinto.
(Da tradição oral de Serpa - recolhido por Leopoldo Parreira)
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SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”