sábado, 25 de julho de 2009

CONTOS POPULARES ALENTEJANOS



LETRAS E TRETAS
(Recolhido da Tradição oral)

Eram d'uma vez uns lavradores que tinham dois filhos; um era estudante e o outro era cabreiro.
Como o ano fosse mau pediram um moio de trigo emprestado ao compadre priôr, que era padrinho do filho que estudava; mas quando colheram a seara não pagaram o trigo, e assim foi correndo o tempo.
Sempre que iam à missa, desfaziam-se em desculpas com o padre por não terem ainda pago, e elle dizia-lhes sempre que arranjassem a sua vida e que pagassem quando pudessem. Mas no outro domingo repetia-se a scena, ate que afinal o padre, já farto de os aturar, disse um dia ao pae: «Olhe compadre, diga ao meu afilhado que arranje uma mentira do tamanho do Padre-Nosso, que já lhes perôo a divida».
O velho ficou louco de contente e foi para casa dizer ao filho que, visto elle ter tantas letras, arranjasse a mentira quanto mais depressa melhor, para ir dizer ao sr. padrinho, como elle desejava; mas o rapaz por mais que estudou, por mais que contava as palavras das mentiras que armava, não conseguiu fazer uma do tamanho do Padre-Nosso; n'umas sobravam, n'outras faltavam, até que declarou ao pae que não podia satisfazer o empenho do padrinho.
O pae ficou triste e muito zangado com o rapaz, dizendo que de nada lhe aproveitava o que o padrinho gastava com elle, visto não ser capaz de arranjar uma mentira.
Núm domingo em que estavam fallando sobre o caso, quando o outro filho veio a casa, disse este:
«Olha que grande coisa ! ter que arranjar uma mentira do tamanho do Padre- Nosso ! Maior sou capaz de arranjar, e ir dizê-la ó padrinho se vocemecê quizer!»
- O que dizes tu meu filho ? lhe diz a mãe. Pois tu atréveste ?
- «Astrevo sim senhora ! Ora dê-me vocemecê licença e lá verá.»
- «Eu sei lá filho ! Tu és amodos que assim tão brutinho, para ires falar com aquela gente.. »
- «Deixe lá mãe que uma pessoa, com'ó outro que diz, tamem não é tão parvo como ós da cidade pensam; ora verá.»
Com esta e outras razões convenceu a mãe e o pae, e no domingo lá foi elle caminho da egreja para dizer ao sr. padrinho a mentira encommendada.
O padre, que já estava prevenido, logo que acabou de dizer a missa foi para a sacristia, com um amigo a quem contou o caso, esperar o rapaz. Este não se fez esperar e de chapeu na mão, pediu-lhe a benção e depois disse:
«Pois meu padrinho eu tinha um colmeal tão grande ! tão grande ! que nem sabia o conto aos cortiços ! Um dia puz-me a contar as abelhas e faltava-me uma. Fui por esse mundo em pergunta da minha abelha e vae sr. padrinho (e nisto batia uma forta palmada na perna do padre) estavam quinze lobos a comê-la ! Eu atiro-lhes com uma ameixa (e traz - nova palmada no padre) e matei-os todos ! Mas só deixaram uma perninha da abelha. Pégo a torcê-la (outra palmada) não deitou nada; começo a destorcê-la e deitou dez almudes de mel ! (enova palmada no padre, que já se encolhia).... Or aqui estava eu sem saber onde deitar o mel ! Fui ao monte buscar um burro, com licença do meu padrinho, (e traz-uma palmada) e carreguei o mel, mas pesava tanto que fez uma ferida nas ancas ó burro! Fui a casa de um alveitar que deitou na ferida um alqueire de ervilhas! Ai meu padrinho ! (e vai mais uma palmada - o padre já suava) fez-se um ervilhal que apanhava três léguas de grandeza ! Cahe-me nelle um porco- espinho que não se lhe viam de longe senão as unhas ! Atiro-lhe com uma foice, espeto-lhe - com sua licença o cabo no cu e (palmada na perna do padre), ó meu rico padrinho, aquillo é que era bonito ver o porco !... Com as pernas ceifava, com a foice debulhava, com a boca pregava cada assopro que cahia a palha para o chão e as ervilhas leveva-as os vento ! Quando se foram a medir deitaram dois moios de trigo e um poucochinho e foi assim que meu pae poude pagar o´meu padrinho ...»
O pobre prior, que tinha a perna derreada pelas palmadas, levantou-se logo e disse ao rapaz que estava perdoada a divida, com tanto que acabasse já a mentira, que era bem maior que o Padre-Nosso.
O rapaz foi logo levar a boa nova á mãe, que ficou louca de contente e convencida de que:
Muitas vezes as trêtas
Valem mais que as letras.
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SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”