terça-feira, 21 de julho de 2009

CONTOS DE MALTESES




Contos de Malteses


Tradição oral de Serpa


(Recolhidos por Leopoldo Peniz Parreira Cortez que


os ouvia, ao serão no seu monte da Retorta, contados pelos maltezes a quem dava guarida.)


(Maltês-homem que se ocupava de alguns serviços agrícolas, nas herdades alentejanas, sem qualquer vínculo)








«MISSA COMO AS MAIS»


(Contado por Manuel Gomes, no monte da Lobata em 1926)




Foi em Beja - a velha Pax Julia - há já bem puchados anos, quando ainda tinha pompa a tradicional festa do "Espírito Santo" que esta história se passou.


Mestre Manuel Cachucho, bom alfaiate e melhor bebedor, juntou-se no ádro de S. Thiago, com o seu inseparável companheiro Chico Tombinhas que "a deitar o seu apelido", era dos primeiros.


Depois da festa na igreja resolveram, como era seu costume, ir beber a sua canada e, se tempo e dinheiro houvesse, esturrar o seu meio almude, o que não era de mais para os dois que sempre estavam preparados com o seu bocado de bacalhau cru, servindo de isco e para "purvar" a bebida.


Entraram nas vendas que encontraram e, depois de dar fim à féria da semana, poisaram na praça, sentados num dos bancos a discutir os proventos e habilidades dos seus ofícios.


Durou a cavaqueira até que ambos, em profundo sono, se esqueceram das canseiras d'esta vida, para só verem belezas atravez dos sonhos.


Alta madrugada, acordou mestre Cachucho e, que háde ver ? O Tombinhas estirado no chão a roncar como um varrasco. Espera que eu te arranjo !... Sáca da tezoura do ofício e ao pobre bate-sola, corta o bigode e, no alto do toitiço, faz-lhe uma corôa. Muito de vagarinho se raspou e foi tratar da sua vida..


O Tombinhas acordou já com sol por essas alturas e estranhou o beiço superior, passou-lhe a mão e ficou atrapalhado ao ver que não tinha bigode; ao pôr o chapéu, sentiu frio na cabêça e, verificou se aquele estava molhado. Não estava, levou a mão à cabeça e percebeu que tinha uma corôa digna d'um cónego. Não se ralou, bebeu dez reis de água-ardente -fiados- na primeira venda que encontrou e marchou para a loja, muito satisfeito com o belo dia que tinha passado, não se lembrando da noite. Entrou em casa cantando o «Manoelzinho você chora» e depois de ter falado à companheira e aos môços, foi para a loja tratar de deitar meias solas n'uns butes d'um freguez da Salvada.


Ali pelo meio dia chegou o freguez que, ao ver o Tombinhas sem bigode, muito se riu, perguntando-lhe se ele agora ia ser padre. O Tombinhas não se alterou e disse-lhe: «Olhe ! Tomara eu que faltasse algum prior n'alguma freguezia; logo em lá estava. O latim custa menos que deitar tombas e senão veja o mestre Zé Santinho, ganha mais depois que é sacristão do que quando era oficial da gente fina cá de Beja».

Pois olhe mestre, diz-lhe o freguez, na Albernôa teem falta de um padre e não há meio de o arranjarem.

Verêmos isso, diz o Tombinhas, entregando os butes amanhádos ao freguez, pagando este uma quantia de amanho e despediu-se.

Mal este sahia, Tombinhas fecha a loja, vae para a mulher e diz-lhe: «Oh Catrina vou ser padre!»

Oh homem vae prantar o rotos nas botas caneleiras do Sr. Compadre e deixa-te de paleio.

Q'al paleio nem q'al raio ! Já te disse, vou ser padre, e, dizendo isto, abalou pela porta fora sem mais aquelas. Sai da cidade entesta com a estrada que vae dar à freguesia de Albernôa e só pára quando ali chega, a suar em bica. Logo à entrada encontra um almocreve a quem pergunta onde mora o sacristão ou então o regedor, ouvindo esta resposta: « Olhe ê cá nã sê, nem dô borrunto d'essa gente, prégunte isso ao tio Alminha talvez lhe dê esses informes.»

Marchou em cáta do tio Alminha que era o encarregado do correio e d'este conseguio saber onde morava o sacristão e o regedor. Foi a casa do sacristão e depoide de lhe meter na cabeça que era um padre, levou-o à do regedor, com o fim de fazer tocar o sino da egreja e reunir o povo.

Junto todo o povo da aldeia, fez-lhe a sua fala, dizendo que estava pronto a tomar posse da freguezia, se assim o quizessem. Com grande júbilo foi logo aceite o nôvo prior e resolveram ir no dia seguinte uma comissão a Beja pedir a nomeação ao Sr. Bispo. Assim se fez e foi nomeado o padre Francisco para a Albernôa.

No primeiro domingo que têve de ir dizer missa, às 8.h. da manhã estava a egreja dando um estoiro e muita gente têve de ficar no alpendre do adro. Depois do tóque repinicádo do sino, sae da sacristia para o altar-mór o novo prior, devidamente paramentádo, acompanha-o o compádre sacristão que na véspera à noite havia ajustado o seu ganho nas diferentes cerimónias.

Logo que chegou ao altar benzeu-se e agradeceu as ofértas que tinha recebido, a quando da sua nomeação. Não era pouco: 37 borrêgos, 57 galinhas, 27 queijos, 7 alqueires de azeite, 127 duzias de ovos e uma duzia de empádas que o tinham deixado a impár.

Feitos os agradecimentos, fez uma vénia, e, voltando-se para os devotos, diz:

«Meus irmãos esta missa é missa como em Beja, missa como em Serpa, missa como em Moura, missa como as mais!... Tenho dito.»

Volta as costas e segue para a sacristia, onde tratou de envergar a batina oferecida pelo lavradôr do Monte das Tisnadas, e, ráspa-se a caminho de casa, onde a mulher como Tia e os oito filhos como afilhados.

Os devotos que estavam na igreja julgando que o sr. prior tinha ido à sacristia, por se sentir com qualquer incómodo, continuaram à espera até que passada uma hora o sacristão os veio pôr na rua, para fechar a porta. Uma velhota muito penitente diz indignada: « Mas então a missa ?!? Responde o sacristão: «Óra essa, então não a ouviu ? É porque é surda. Mais alguns protestaram mas por fim, fôram sahindo e comentando a seu módo. Até um ceareiro da Trindade, que se tinha por mais entendido disse: «eu já esperava isto, disseram-me lá no Algarve, que os costumes se iam modar, e, aqui está a próva.»

Todos se foram recolhendo às suas casas, desejando o próximo domingo, para então porem o caso a limpo.

Chegado que foi êsse dia, foi muito maior o numero de fiéis, bastava já de escândalo, como muitos diziam.

Da mesma forma, chegado ao altar, o padre Francisco, diz: « «Meus irmãos, missa como em Mértola, missa como em Brinches, missa como as mais!..» Meia volta sacristia, outra meia volta casa...

Os frégueses é que ficaram indignados e resolveram ir queichar-se ao Sr. Bispo. Nomeada nova comissão, foi esta a Beja e ali se apresentou ao Prelado que a ouvio e por fim resolveu que só um falando de cada vez disséce a forma como o seu prior dizia a missa.

O primeiro a ser ouvido declarou que o padre Francisco ao chegar ao altar, só dizia: Missa como em Beja, missa como em Serpa e mais nada. O segundo fez egual declaração, o prior só dizia: Missa como em Moura, missa como em Brinches, missa como as mais. E, assim fôram as declarações do resto de toda a comissão que o bom Prelado teve de ouvir

Terminados os discursos dos reclamantes o Preládo fez-lhes uma grande prelecção, terminando por dizer que estava satisfeit

Powered By Blogger

Seguidores

Acerca de mim

A minha foto
SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”