quinta-feira, 23 de julho de 2009

CONTOS POPULARES ALENTEJANOS


                            GRAÇAS A DEUS PARA SEMPRE
                                CONTO POPULAR DE SERPA                                                         
                                                                  
        Havia n'outro tempo um homem muito ruim para a mulher e filhos, e por isso os fazia passar fomes, batia-lhes, não lhes dava falla, enfim, a pobre mulher vivia num tormento constante.
        Tina elle por costume ser o primeiro que aviava o seu prato, com pouca comida, e principiava logo a comer, de forma que, quando a mulher estava aviando o prato do terceiro ou quarto filho, já elle tinha acabado, e então tirava o prato que tinha o resto do jantar, que guardava num armario, e dizia, á maneira das santas graças:
«Graças a Deus para sempre, tenho a barriga cheia e toda a minha gente»
        A mulher, coitadinha, tinha de comer só pão, para que os filhos comessem o que ella tinha podido tirar do prato, mas era pouco para tantos. E elle como n'aquella ocasdião comia pouco, depois vimha comer o que tinha guardado. Assim succedia todos os dias e a todas as comidas, até que um dia appareceu ali um compadre a quem a mulher, cheia de desgosto, contou o que o marido lhe fazia e a má vida que lhe dava, devido ao seu mau genio.
        O compadre teve muito dó della e dos filhos e prometeu-lhe que o havia de ensinar.
        Veio depois o marido e fez muitas festas ao compadre, convidando-o para ficar em sua casa, etc. etc..
        Chegou a hora de jantar e o dono da casa fez o costume; mas quando foi tirar o prato para ir guardar, depois de recitar a oração costumada, diz-lhe o compadre; - «Espere lá, compadre; se vocemecê tem a barriga cheia, a minha e a das crianças estão despejadas; e como vocemecê me convidou para ficar na sua casa, não hade ser para eu passar fomes»-. O outro envergonhou-se de tornar a assentar-se e foi para o trabalho, e o compadre e a familia comêram a fartar. Depois disse para a comadre: -«Vocemecê não faça ceia, e deixe o resto por minha conta»-.
        Chegou a noite, e depois de terem estado um bocado á lareira a conversar, foram-se todos deitar, mas no meio da noite o dono da casa, que não podia com fome, chamou a mulher e disse-lhe: - «Ó mulher, plamórdeus, vae-me fazer alguma coisa para comer, que não posso estar com fome» -.
        - «Ai hóme ! o que te hei-de fazer a estas horas ?» -.
        - «Faz-me umas papas».
        Levantou-se a pobre mulher, reanimou o lume e pôz o tacho da agua a ferver com a farinha, mas quando estavam quasi promptas, o compadre que tinha ficado na cosinha, para dormir mais quente, atira com as meias sujas para dentro do tacho que, estando mal seguro, tombou, e entornaram-se as papas!
         - «Ai compadre que me desgraçou!».
         - «Então a comadre não estava fazendo barrella ?»
         - «Não senhor, eram umas papas para o meu marido. Então o que lhe hei-de agora dizer?»
         - «Ora conte-lhe o meu engano.»
         A mulher foi para o quarto contar ao marido o que se passou, mas elle que tinha muita fome diz-lhe: «Ó mulher tem paciencia, vae fazer-me um bolo de amassadura, e coze-o no borralho.»
         - « Ora como hei-de fazer isso, se o nosso compadre esta na cozinha, e se me vê ao lume faz-me alguma pirraça.»
         - «Anda lá, experimenta.»
         - A mulher fez o bolo e foi cozê-lo; mas o compadre assim que a viu, veio assentar-se ao lume dizendo que não podia dormir com frio, e pegando na tenaz diz-lhe:
         - «Agora vou contar-lhe a minha história: Olhe comadre, o meu pae era rico, mas só quando elle morreu eramos 14 irmãos, de maneira que teve de entrar a justiça em casa, por causa das partilhas. Que desgraça nos succedeu, minha comadre ! Foi tudo dividido assim : bocado a um, bocado a outro; a um as panellas, a outro os tachos, a outro os pratos, por fim era já tão grande a barafunda, que cada um tirava o que podia.»
        - E a cada quinhão que fallava fazia um risco fundo com a tenaz no bolo, com a cinza, ficou impossivel de comer-se.!
         A pobre mulher, por mais que diligenciava evitar que elle estragasse o bolo, nada poude conseguir, em vista do enthusiasmo com que elle fazia os quinhões, e quando viu o estado em que elle o pôz, disse: - «Ai compadre da minha alma! que era um bolo para o meu marido!»
         - «Ai comadre, porque não m'o disse? E eu julgava que era formento que vocemecê estava fazendo!»
         - «Então agora o que lhe hei-de eu dizer?»
         - «Ora, diga-lhe que dormiu e que o gato o comeu.»
         A mulher isso lhe disse. O marido ficou desesparado, e como não podia ficar assim, resolveu pôr ás costas a albarda da burra e ir ao faval, comer favas cruas. Assim fez, mas o compadre, que o sentiu, pega n'uma espingarda e vae atraz d'elle, e quando o apanhou a comer as favas dispara um tiro. O homem assim que isti ouve começa a gritar: -«Ó compadre não atire que sou eu!»
         O outro fez-se muito admirado e procurou-lhe o que estava ali fazendo coberto com a albarda ? Que elle tinha disparado julgando que era uma rapôsa que estivesse comendo as favas.
         - «É que como hontem não jantei como costumo e nem ciei, não posso dormir com fome, e vocemecê tem estragado o que minha mulher tem ido fazer para eu comer, e por isso me vi obrigado a comer favas.»
         - «Ora muito bem; pois isso que lhe fiz hoje foi para avaliar o que a sua mulher e os seus filhos passam com a sua maldade de os fazer passar fome. Agora que já sabe o que isso custa, deve emendar-se e deixar que a sua familia encha a barriga.»
         O homem serviu-lhe a lição, e d'ahi em diante, comiam todos a satisfazer, e elle já não dizia:
         «Graças a Deus para sempre, tenho barriga cheia e toda a minha gente»
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SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”