sexta-feira, 2 de julho de 2010

No tempo do Salazar
Exposição dos lavradores do Baixo Alentejo a sua excelencia o ministro da agricultura

Porque julgamos digna de registo
A nossa exposição, Senhor Ministro,
Erguemos até vós, humildemente,
Uma toada uníssona e plangente
Onde evitamos o menor deslize
E onde damos razão da nossa crise.

Senhor… Em vão esta província inteira
Desmoita, lavra e atalha a sementeira,
Suando até a fralda da camisa.
Falta a matéria orgânica precisa
Da terra, que é delgada e sempre fraca;
A matéria em questão chama-se CACA.

Se os membros desse ilustre ministério
Querem levar o nosso caso a sério
E é nobre o sentimento que os anima,
Mandem-nos cagar toda a gente em cima
Dos maninhos torrões de cada herdade,
E mijem-nos também, por caridade!

0 Senhor Doutor Oliveira Salazar
Quando tiver vontade de cagar
Venha até nós, solícito e calado,
Busque um terreno que estiver lavrado,
E como Presidente do Conselho
Queira espremer-se até ficar vermelho.

A Nação confiou-lhe os seus destinos;
Então comprima e aperte os intestinos,
E se escapar um traque não se importe;
Quem sabe se cheirá-lo dará sorte?
Quantos não porão suas esperanças
Num traque do Ministro das Finanças!
E quem vive tão aflito e sem recursos
Já não distingue os traques dos discursos;
Não precisa falar. Tenha a certeza
De que a maior fonte de riqueza
Desde os montados negros às courelas
Provém da merda que despejamos nelas.

Ah! Merda grossa! Merda fina! Merda boa
Das inúteis retretes de Lisboa!
Como é triste saber que todos vós
Andais cagando sem pensar em nós!
Se querem fomentar a agricultura
Mandem-nos muita gente com soltura
E nós daremos trigo em alta escala.
Também nos faz jeitinho a merda rala.
Terras alentejanas, terras nuas,
Desespero de arados e charruas,
Quem as tem, quem as compra, quem as herda,
Sente a paixão nostálgica da merda!…

E que todos os penicos portugueses
Durante pelo menos uns seis meses
Sob o montado ou sobre a terra campa
Continuamente nos despejem trampa,
Adubos de potássio, cal e azote.
Mandem-nos merda pura de bispote;
Não fazemos questão de qualidade;
Formas normais ou formas esquisitas,
Desde o cagalhão às caganitas,
Ou da negra poia à grande bosta,
Tudo quanto for merda a gente gosta.

(Autor João Vasconcelos e Sá -ÉVORA 1934)
(EM VIDEO A MESMA DITA POR VICTOR DE SOUSA)
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“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”