sábado, 20 de fevereiro de 2010

AS FESTAS DA GUADALUPE - Conclusão

Os festejos em honra da Senhora da Guadalupe teem, entre nós, uma origem secular. Porem, outr'ora effectuavam-se as festas na propria ermida da Senhora, e alli mesmo as procissões, em torno da capella.
Disse festas porque duas eram as que se realisavam: uma, «a dos homens», por ocasião da Paschoa, e outra passado o equinoxio do outomno e pela época das vindimas, chamada «das mulheres».
Á similhança do succedia com as ordens monasticas, parece que somente individuos do mesmo sexo podiam agrupar-se em confraria.
Foi em 1870 julgo, que as duas irmandades se fundiram; e desde então que se vem celebrando uma só festividade em cada anno, a da Paschoa. A qual festividade, de esplendor sempre crescente, passou desde logo a ter logar aqui na villa, em signal de reconhecimento á Senhora, que o povo de Serpa invocára n'um transe angustioso. D'esse transe se occupa o livro manuscripto da « Irmandade dos Homens de Nossa Senhora de Guadalupe», n'uma ocorrencia exarada na primeira pagina, de que transcrevemos os seguintes periodos:

«No anno de 1808 concorrendo huma Primavera, em que houve muita falta d'agua para as cearas e prados, não se esperando senão huma escassez de generos alimenticios e morrinha no gado por falta de pastos, pelo que todo este povo estava decoroçoado por vêr iminente e flagello da fome, que a todos ameassava. Deos Senhor Nosso, como Pai de infinita Mizericordia lhe aprouve tocar nos corações de alguns devotos de Nossa Senhora de Guadalupe e com especialidade nos dos Irmãos da mesma Senhora Manuel das Candeas Cataluna, Francisco Manoel Abraços, José Francisco Chorão, Gregorio Queixinhas, e João Martins Picareta, inspirando-lhes que recorrendo a sua Mai Santissima a Senhora de Guadalupe, na mesma Senhora encontrarião remedio para os seus males. Não exitarão, e unanimemente e todos os seus corações assentarão que devião, depois de suas preces, mandar cantar huma missa na capella da referida Senhora em acção de graças pois que já nos dias dois e trés de Maio havia chovido suficientemente; e no dia doze d'este mez procederão, com concorrencia de muitos devotos, á cantoria de huma festa, dando graças a Deos, e a Nossa Senhora de Guadalupe, por se terem dignado ouvir as suplicas de seus devotos.
Houverão cearas de evidente milagre, porque derão muito trigo, muitos legumes, muitas fructas, e os prados tomarão pastos, com os quaes os gados se nutrirão e criarão. Á vista pois de hum tão evidente milagre, com que Deos nos favoresseo por intervenção de sua Santissima Mãi a Senhora de Guadalue, não esfriemos na nossa devoção para com esta Senhora, continuando em nossas afflições, devendo todos nós estar bem certos, que seu Bendito Filho nada lhe nega e rogando-lhe nós de todos os nossos corações nos obterá de Deos, não só os bens temporaes, mas tambem a salvação eterna das nossas almas.»

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Refere-me um bom velhote octogenario, a quem eu devo valiosos informes sobre o assumpto em questão, que, por motivo da assustadora estiagem, centenas de creanças vindas de todos os pontos do concelho, caminhavam em romaria para a ermida da Guadalupe a implorar da Senhora, compaixão e misericórdia. O povo ficou conhecendo a piedosa romagem, duzias de vezes repetidas, pelo nome de «Procisão dos Inocentes.»

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Aproveito o ensejo para registrar as quadras que as raparigas cantam.

Á Senhora da Guadalupe

Virgem mãe da Guadalupe,

Minha mãe minha madrinha,

Se meu bem vae ser soldado,

Oh! que desgraça é a minha !

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Virgem mãe da Guadalupe,

Minha mãe minha comadre,

Está sempre pedindo a Deus

P'ra que o mundo não se acabe !

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Virgem mãe da Guadalupe,

Que está na vossa ladeira,

Quem me dera ver meu bem

De ressalva (i) na algibeira !

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Virgem mãe da Guadalupe

Tem uma fita amarella

Que lhe deram os soldados

Quando vieram da guerra.

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Virgem mãe da Guadalupe,

Onde tindel-a ermida,

Entre Serpa e o Pechôto (ii)

Nesses olivaes metida !

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Virgem mãe de Guadalupe,

Quer-lhe pedir uma cousa:

O meu bem vae no exame,

Que não traga uma raposa !

(i) Ressalva - Caderneta Militar

(ii) Denomina-se Pechôto uma das vastas herdades que nesta villa possue o Senhor Conde de Ficalho

TEXTO DE M. DIAS NUNES extraido da Tradição, revista mensal de etnografia, cujo primeiro número foi publicado em 1989.

NESTA TRANSCRIÇÃO RESPEITEI A ORTOGRAFIA DO ORIGINAL.


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“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”