
CANTIGA
Quando Judas se formou,
Em palacio de grande altura,
Muita gente lá penou,
Outra foi á sepultura;
Casa cheia tem fartura,
Não sou só eu que o digo;
A gallinha corre ao trigo,
A fama é do pardal;
Não há doutores sem ter livros,
Nem altar sem castiçaes,
Não há portas sem postigos,
Nem burro sem atafaes,
Tambem lhe é dado estribos;
Nas vendas se vendem figos
P'ra contentar os rapazes;
No mar andam alcatrazes,
Também se pescam gaivotas;
Quem tem as pernas tortas
Logo lhe chamam canejo;
Curam-se as sezões com desejos
E as fr'idas com enguento,
Moem os moinhos com vento,
Quem faz a teia é a aranha;
Esta cantiga é tamanha
Não tem princípio nem fim;
Um raminho d'alecrim
É que se dá aos namorados;
As armas são p'rós soldados
E tambem p'rós caçadores;
Isto de quem tem amores
C'o pé ligeiro deve andar;
Fez-se a gaita p'ra tocar
E o pente para a cabeça;
Menina não me endoideça
Que se pode dar por feliz;
Tem um tamanho nariz
Que até lhe chega ao seio;
Já me vieram dizer
Que tem mais de palmo e meio;
Vae-te d'aqui nariz malvado
Criado tanto rigor,
Já m'o vieram gabar
P'ró quêjado d'um pastor.
in Revista Lusitana - 1888/1889