domingo, 4 de outubro de 2009

RECORDAÇÕES DE UM BURRO


Recordações de um burro

Aquele burro velhote
Recordava a pouca sorte
Que teve na mocidade,
Foi sempre um burro de carga
Numa vida tão amarga
Que não lhe deixou saudade.

Sempre de albarda em cima
Sem amizade nem estima
Um viver amargurado
Nunca teve o prazer
Nunca chegou a saber
O que era uma dia feriado.

Trabalhava sem parar
E nem podia zurrar,
Que lhe era proibido
Nem lá na sua cabana
Podia zurrar com gana
Com medo de ser ouvido.

Detestava o cabrestão
Que lhe tirava a visão
Para a esquerda e prá direita
Só podia ver em frente
E pra ele realmente
Era uma coisa mal feita.

Ao ver tanta maldade,
Ás vezes tinha vontade
De dar um coice ao patrão,
Mas, ao levantar a pata,
Levava com a arreata
E tinha de a pôr no chão.

O que mais lhe custava
Que mais o arreliava
E achava que era demais
Era ter de a qualquer hora
Andar tirando água à nora
Para os outros animais.

E ele o pobre burro,
Com medo de armar esturro
E ter um mau resultado,
Com prazer ou sem prazer
Lá ia tentando ser
Um burro bem comportado.

E quando era preciso
Também abanava o guiso
Disfarçava arrelias
E carregava a golpelha
Sacudia a orelha
Á espera de melhores dias.

E quando chegou o dia
Em que ele já podia
Zurrar à sua vontade
Aquele pobre coitado
Viu que já tinha passado
A sua melhor idade.

E assim o burro velhote
Que já está perto da morte
Ainda vai recordando
Uma vida pobre e tosca
Enquanto sacode a mosca
Que no lombo o vai picando.


De: Rosa Helena Moita
Natural de Beringel
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SINES, ALENTEJO - SERPA, Portugal
“Eu não sou eu nem sou o outro, Sou qualquer coisa de intermédio: Pilar da ponte de tédio Que vai de mim para o Outro.”